segunda-feira, 21 de novembro de 2011

olá, estou aqui


 Os dedos dele tocaram-lhe o queixo e os olhos encontraram-se. Ele sorriu.
 - Olá, estou aqui. Queres que fique? perguntou, percorrendo-lhe a face com os dedos, deixando-a espreguiçar o rosto, como gata.
-Sim. disse, a meia voz. Beijou-lhe a palma da mão e sorriu envergonhada.
- Não sei o que fazer, como fazer...
- Shiuu! disse-lhe colocando o indicador sobre os seus lábios.
Ajoelhou-se e levantou-lhe a perna, que acariciou, do interior do joelho ao tornozelo. Pousou-lhe o pé, vestido  com uma breve sandália de tiras de couro, sobre a coxa, e despiu-o. Beijou-lhe os dedos dos pés enquanto a olhava e entre carícias murmurou-lhe:
 - És tão linda!
Ela sorriu e suspirou e o sopro arrepiou-lhe os poros por entre os seios. Puxou-lhe o corpo para o colo e nele se enroscou e arfou.
- Desejei tanto que estivesses aqui...
e a luz do candeeiro foi pintando sensualidades na penumbra.

sábado, 19 de novembro de 2011

a folha, a pequena gota e o pássaro

parecia uma pérola, a gota sobre o verde daquela folha larga. E fazia um leve rocegar, para cá e para lá no tempo em que a folha se agitava com a aragem do início do dia.
Tinha caído sobre aquela folha, de uma nuvem parca em água e a folha tinha-a recolhido gentilmente. A gota queria refrescar aquela folha grande e linda e a folha queria guardá-la para as horas secas do fim do dia. E a gota rolava um bailado no rosto da folha e a folha revigorava-se no fresco da gota.
 O dia cresceu e os raios de Sol sugavam as pequenas gostas de água que a manhã tinha criado. A folha grande fechou-se e bem na base, junto ao pecíolo, escondeu a pequenina gota que teimava em brilhar com os raios de Sol.
 E o dia minguou e o Sol foi adormecendo. A folha grande abriu-se ao encanto do crepúsculo e a gota agitou-se na nervura central.
No fim do horizonte uma linha escarlate encimada por um forte tom dourado, emanava ainda o quente forte do dia e na ponta da folha uma gota de água pendente luzia naquele tom tépido e cinza do princípio da noite. E passou um pássaro de pena azul que ali poisou, sobre o solo junto à folha de grandes abas. De saltito em saltito rodou o bico, sorveu a gota e voou.
 E a folha estremeceu com a repentina falta de peso, recolheu as abas e preparou o sono para uma nova manhã à espera da sua pequena gota de água, que o pássaro sorvia.

vermelho, escarlate

tinha as unhas pintadas em vermelho, escarlate. Os dedos tornavam-se, por isso, esguios e o tom da pele exercia um forte apelo ao olhar pela brancura sedosa que exibia.
Assim, sem mais, desejou ser como ela ao crescer, mãos de luxo, macias, sem a aspereza de quem trata de tachos e panelas.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

maresia

cheirava  a mar e a princesa chorava sentada na areia. E a lágrima era o mar que a princesa cheirava. E nas olas do mar se deixou navegar e na espuma das ondas se deixou afagar. E o mar que era a lágrima que a princesa chorava transbordou pela areia e aí a amou. E o cheiro do mar que a princesa amou invadiu a cidade de um fresco olor, pranteado em magia.  E este amor que encharcou a cidade pelo fim do dia, chamou-se de maresia...

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

cativamento

de encanto cativa,
meu cativamento.
eu moura perdida
na brisa do vento

e ali me encantei
de um cativo encantado
num cativamento
de brisa fadado

cativa me achei
de um sonho encantado
na brisa voei
ao meu cativo amado

de encanto cativa
meu cativamento
no sonho achada
na brisa do vento

e o vento que eu moura
na brisa cativo
meu cativo amado
me acha na brisa


quinta-feira, 10 de novembro de 2011

no reino das cerejeiras

a perna semiflectida balouçou, como se uma suave brisa a empurrasse, e emprestou ao corpo o balanço de preguiça enroscada e sonolenta. Esticou o braço e em delicado gesto puxou o pé de cerejas que logo prendeu sobre as orelhas. Deixou tombar o corpo, arqueando-se levemente pela cintura, dormitando a nuca sobre os ombros, cabelos soltos, virados ao solo, e o vermelho forte das cerejas em saracoteante movimento... e baloiçou na morna aragem do calor de Junho, sob um tecto de folha verdejante.
- Teresinha, gostas dos meus brincos compridos? e sacudiu a cabeça abanicando os bagos de cereja presos nas orelhas. - Pareço mesmo uma artista, não é? e os cabelos esvoaçaram com maior velocidade lançando os brincos de cereja em rápidos movimentos.
-E os meus, Luz, já viste têm três cerejas. Os teus é só duas! Teresinha sorriu divertida enquanto começava a trepar o tronco da cerejeira indo sentar-se no galho oposto ao de Luz. - Eu sou uma princesa, disse, recostando-se no enlace do tronco com o ramo. Delicadamente deixou pender a perna e embalou-se no balancear do corpo, pendentes os pesados e escarlates brincos de três bagos.
- Luz, vou comê-las. está aqui um cachito com quatro cerejas, assim vou ser fada. E atirou uma gargalhada.
- Ohhh! gemeu Luz, assim não vale! e continuou em suave balancé, corpo arqueado sobre o ramo, cerejas sobre as orelhas.
Sob a copa da cerejeira a sombra amaciava o calor do fim da manhã. No chão, as cestas pendiam de nagalhos presos nos ramos e esperavam rechear-se de cerejas.
Teresinha e Luz, continuaram, princesas do reino das cerejeiras. Até à hora de içar as cestas.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

o silêncio dos deuses

e desceram o trilho sinuoso cercado de barrocos graníticos em insólitas e quase inverosímeis posições. Ouviam os sons das pedras por nada mais se ouvir, atormentados pelos passos que ecoavam como tambores, estranhos nesse universo de silêncios.
No abrir da curva soou-lhes aquele ziguezaguear de água, uma corrente estreita e brilhante lá bem no fundo do vale, ecoando mais silêncios.
As pedras estavam lambidas do preto cinza de um fogo intenso que apagara qualquer cor de qualquer planta e na aragem ainda  se soltava o cheiro do fumo, impregnando de calor  a atmosfera fria do amanhecer.  Bizarro strip tease que fazia soar em gritos roucos de pesar, o imenso barrocal na sua imponente e aparente frieza, chorando as giestas  e as oliveiras,  despido de protecção e que lhes inundava a alma de imensidão.
E estavam ali, aquela oliveira, carregada de um fruto grado e escuro, mesmo à beira de um barroco doce em jeito de sentinelas de um olival que o trilho tinha salvo das labaredas. Ali pararam, as palmas das mãos a acariciarem o rugoso daquele granito o olhar lançado pelos meandros de colinas e barrocos que pelo vale abaixo se despejavam na invisível corrente de água e quase lá brilhava em branco um pombal.


sabes a que cheira, este silêncio? perguntou. Ele olhou-a sem perceber. - Ouve, ouve este silêncio, a que te cheira?
 O silêncio latejou em cheiros, nos sons inaudíveis dos badalos de um rebanho a que se sentia o movimento lá bem no fundo do vale, e sorriram.
Estavam ali, os deuses