domingo, 29 de janeiro de 2012

brumas



o sorriso escorregou-lhe qual cascata de água cristalina
e a memória soprou-lhe um segredo
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a memória sopra-me segredos
nessas
outras vezes
em que estou desalojada de mim,
perdida na bruma de mim
e o sorriso escorrega-me
em cascata de água cristalina
agitando redemoinhos de vento
e pequenos sons
naquele prado
onde a luz pintalgava
um concerto de cores
por cada gota de orvalho
.....................................
por aí desvendo os segredos da bruma
das memórias de mim






quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

ecos 2

não tem tamanho este sentir de ausência, este arrancar de uma história.
então a tristeza envolve-me quase sem eu dar conta, cresce como um nevoeiro, desfocando o real.
recrio-te portanto na minha memória gemendo as lacunas que não preencho porque escritas mas ausentes
sei-te sempre mesmo quando o mar nos separa, mesmo quando a palavra se apaga
mas fazes-me falta, numa terna companhia de fim de dia

ecos 1

os textos e as palavras, são murmúrios, ecos momentâneos de estranhos ruídos nos afectos.

sábado, 21 de janeiro de 2012

faunos, fadas e saltimbancos

há um tempo de Inverno em que o dia tem um eterno e húmido frio. É um tempo em que a neblina e a névoa descem à Terra, envolvem as casas, as árvores, os fios de luz com cálidas e frígidas gotículas de água. E, sobre o povo, as fumarolas enroladas, que se escapam de cada chaminé aquecem apenas o cheiro que devolvem às quelhas e travessas.
Este é o tempo do silêncio onde soam todas as memórias. E nascem os mais lindos cristais de gelo, belo sincelo, aprisionadas as memórias em extraordinários pingentes.
Aqui ousam chegar os faunos e as fadas a estes povoados, catedrais da natureza, espaços mágicos e sagrados, onde os humanos se aquecem junto a fogos intensos, do atear das vides secas, prolongados num borralho acolhedor, dos toros de raízes de oliveira.

estava assim, há uns dias na aldeia, breves humanos a despontarem na paisagem: umas idas à fonte, uma saída com os burros. Bochechas coradas do lume, à ida, logo pontas arroxeadas à volta numa corrida ao encontro do quente do lume. De faunos e fadas nem sinal.
Benedita entristecia, testa colada ao janelo da porta, postado o olhar sobre a rua, sumida entre as gotículas gélidas!
Bruuumm; bruuumm; chiiiiiing; brum, brum, brum...
Os olhos de Benedita arregalaram-se. Limpou com o cotovelo o vidraço. A subir a rua vinha uma carrinha branco suja a puxar uma caravana branca, em soluçante andamento expelindo umas baforadas de um fumo acinzentado.
"Os faunos, as fadas", pensou Benedita, "chegaram". Em correria pela casa, logo quis ir à rua, mas que não pode, assim determinou a mãe, por causa do frio.
Soube as novas no dia seguinte, os faunos e as fadas tinham vindo para actuar - a mãe chamava-lhes saltimbancos - no Domingo. Só faltavam dois dias!
O tempo amainou e ainda que frio, este não se agarrava à pele, como se uma invisível cúpula transparente mantivesse as gotículas lá mais acima.
O largo de aldeia estava apinhado de povo, tudo em volta da caravana misteriosa que lá tinha estacionado, esperando o espectáculo. Era um círculo de bafos, narizes avermelhados, gorros e cachecóis e uma ondulação de bater de pés no chão para enganar o frio.
"Faunos e fadas, claro", assim se certificou Benedita pois transportavam a varinha mágica, pai, mãe, filha e filho, pequenos, como ela.
 E fez-se magia, a água ficou vinho e ofereceram flores surgidas do nada e, em maiôs justos, fizeram equilíbrios e acrobacias, malabarismos e contorções, braços e pernas desnudas, sorrisos abertos em lábios roxos nas vénias de cada salva e dos ohs e ahs de espanto da audiência.
Envoltos em capas grossas, recolheram moedas parcas, que não lhes apagaram o sorriso dos lábios mas que lhes entristeceram o olhar.
Era suposto ficarem mais um dia, que era feriado, mas a manhã acordou fria e húmida, arredada a cúpula protectora e os faunos e as fadas tinham desaparecido...
- Saltimbancos, Benedita, saltimbancos, minha filha, andam a ganhar a vida - insistia a mãe.
Benedita encolheu os ombros e suspirou, com pena da mãe. Faunos e fadas sem dúvida só eles podem fazer magia e dançar o corpo nos dias do eterno frio.
Um dia viajaria com eles. Por ora estavam naqueles pingentes de belo sincelo que a manhã tinha tecido nos galhos despidos das árvores

Este era o tempo do silêncio onde soavam todas as memórias.  Nasciam os mais lindos cristais de gelo, belo sincelo, aprisionadas as memórias em extraordinários pingentes.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

despir-se

despiu-se do corpo. Pendurou-o numa cruzeta e alisou-lhe as rugas ganhas no dia. Estendeu-se na cama e descansou-se, do corpo. Quando acordou, não tinha dores.

sábado, 14 de janeiro de 2012

um breve branco


parecia um sorriso na paisagem, um breve branco no topo de uma colina tresmalhada e ao lado um monte pejado de urze lilás-violeta por onde apetecia escorregar. Naquele tépido início de Primavera colhia um lindo molhe, violeta, a que  juntava uma ou outra ramada do vistoso amarelo da mimosa. Carregava-o gentilmente, bem sentada no banco traseiro do Fiat de cor verde impregnando o habitáculo daquele aroma, quente e fresco. Sorria, com o olhar pequenino e rebolava por ali a fantasia.
Quando chegasse, sabia  que ele estava lá, bem juntinho ao gradeamento do jardim, sorriso envergonhado e olhar ladino.
Esperava-a para jogarem ao "minha mãe dá-me lume". E quando ele lhe desse a mão, o seu Ângelo, a ela Benedita, para chegarem ao adro da igreja, onde jogavam com os amigos, dar-lhe-ia aqueles cheiros e aquelas cores para que ele parecesse um sorriso na paisagem, um breve branco tresmalhado nos rostos da tristeza.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

...de um azul desmaiado

abriu a porta e cheirou-lhe a sexo...proibido. Não deixava de ter, por ser proibido, aquele travo salgado de um doce gelatinoso, algo morno, mas sentia-lhe o fugidio toque da limpeza de um leve arejamento feito à divisão.
O cenário não era romântico, nem sequer virulentamente sexualizado. Era sem dúvida o cenário do proibido e o doce acre embebia-se na alcatifa velha de um azul desmaiado e nos papéis e folhas de livros e cadernos desalinhadamente organizados em outros espaços.
Sentia, por isso, o local exacto em que os corpos desaguaram e o conforto que a paixão fez crescer naquele desconfortante e proibido espaço. E o cheiro a sexo e à urgência da sua concretização estava ali, marca de um acto nunca acontecido, porque ali.
Porquê aqui, pensou, antes na areia da praia...abanou a cabeça abriu as janelas e deixou que o ar ainda frio da manhã se impregnasse pela sala. Sentou-se à secretária e começou as tarefas planeadas.
Quando ela chegou, já não era tema de conversa. Cheirava apenas ao pó da velha alcatifa.