segunda-feira, 25 de junho de 2012

Ah! pois, sou avó.

ela sorriu, achou-me graça e olhou-me como se olha para uma flor. primeiro atenta, quase como se ali estivesse um novo universo. depois curiosa, mofando um pouco do meu nariz, do olhar esbogalhado e de um riso embasbacado, sorriu nos olhos. Lá bem atrás de um azul profundo começou a conhecer-me, na testa, nos meus olhos  e nos meus lábios, tocou-me com o coração e sorriu...claro que eu tinha-lhe apertado as bochechas e falado em "lianês". Pronto, sorriu e eu derreti-me. Nasci avó!

terça-feira, 12 de junho de 2012

sereia do rio

há um sítio que se chama sonho, que fica do outro lado do rio.
É por isso que andamos sempre nas bordas, do rio, do sonho e da vida.
Sindala contou-me que no rio se encontrava a vida com o sonho, mas para isso tínhamos que ser sereias.
Eu não sabia se queria ser sereia porque se contava que as sereias enfeitiçavam os marinheiros.
Sindala disse-me que nos rios, onde o sonho se encontra com a vida, as sereias só enfeitiçavam as crianças, principalmente as que se sentavam na beira do rio, com uma lágrima a escorregar no rosto. Então murmuravam-lhes uma suave canção e deixavam-nas caminhar no sonho. quando a lágrima secava e se abria o sorriso levavam-nas de novo à beira da vida deixando-lhes os dedos dos pés na água do rio.
Apeteceu-me ser um bocadinho, só um bocadinho, sereia do rio.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

pelo olhar

entra-se pelo olhar.
naquele primeiro lampejo, abre-se o brilho, conhece-se lá dentro, bem na emoção daquele momento.
depois afaga-se, com o olhar, o rosto, o corpo, envolvem-se as mãos e retorna-se, ao olhar. o coração palpita, o sopro solta-se, agitado e humedecem-se os lábios.
a distância é de quatro mesas. as paredes estão vestidas de espelhos que prolongam o espaço e os olhares.
Cheira a  café.  bebericam-se italianas entre fumaças, conversas e jornais. distrai-se o olhar para se sentir o olhar de que o espelho guarda segredo.
Ah! entra-se pelo olhar e o universo acontece.
 Depois? bem, depois, é preciso viajar!


terça-feira, 5 de junho de 2012

papoilas 1


hoje apanhei uma papoila, num ontem de à bocadinho, e enganchei-a no meu cabelo, porque gosto daquele vermelho forte das papoilas no cabelo. E a manhã estava esplendorosa. O Sol bicava o leito do rio e experimentava o balanço da ondulação do mar.  A papoila murchou está poisada na coxia do meu sofá, escarlatamente bela.

Amanhã sento-me apenas entre as papoilas porque hoje foi um dia lindo!

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Lia: princesa da couve

não há melhor sítio para uma neta do que uma couve, e eu tinha uma mesmo no meio do quintal...era aquela couve de pé alto e folha de penca, de nome a galega. Ali estava ela, rodeada por uma data de outras muito iguais, mas esta era diferente: arrumava-se nas folhas, muito aconchegada, parecendo quase um botão quando o fresquinho do fim da tarde começava a abraça-la.
Claro que quando a minha neta nasceu eu já sabia que os bébés não nasciam nas couves, mas ainda acreditava em fadas. Sindala tinha-me dito, era eu menina, que as princesas dormiam nas couves.
Naquela madrugada de Primavera, o quintal brilhava em pérolas de orvalho e bem no meio estava lá, aquela couve de pé alto e folha de penca, de nome a galega, surgida do nada.
Devagarinho, separei-lhe as folhas que se abriram num leito verde e fresco. Bem no centro, estava a minha neta muito enroscadinha, numa couve: princesa Lia.
Sindala gargalhou e fugiu num raio de Sol.

domingo, 3 de junho de 2012

viagem


imagino a viagem, é inexplicável


                                                                                Nicoletta Tomas

                                               imagino o inexplicável, é a viagem

(1981) sem palavras

para ti não há palavras, só os gestos, os sons,
o meu corpo todo no movimento lento de te amar e de me dar.
para ti os sons da minha vida, do meu sonho, alegria e dor.
os beijos dos momentos comidos pelo tempo, voando inexpressivos,
no compasso do teu quarto.
eu, tu, com dor física sem ti
eu toda, sem pensamento,
eu gemendo, rindo, gritando a loucura do momento,
não momento
do infinito tempo, não tempo, do nosso orgasmo
em universo, irreal, no real das minhas coxas,
da tua boca devorando-me,de ti dentro de mim,
rindo sarcástica ao ponteiro fiel da pinocada rotina,
quotidiana, semanal da masturbação intelectual, sem gozo..