sábado, 21 de julho de 2012

sonhos de cebola

Não largava um caderno macilento que sempre a acompanhava quando descalça percorria o areal­ ­ 
  • a saia embaraçava-lhe as pernas e desenhava-lhe as ancas estreitas. quando agitada pelo vento parecia querer levá-la mais além e mais depressa.­ ­
  • continuava em passo certo, sem responder à sofreguidão da saia, a ondear pela beira mar.
    Mais à frente estava já o sombreado da arriba a desabar em múltiplos pedaços pelo areal. Da última vez tinham ficado caídas várias letras: W, H, A, I e também o M . A maré não dera tempo para as chamar, e as letras não adornaram as páginas do seu caderno..... ­
      • e ela, sonhava em ser a paixão daquele amor que nunca mais encontrava­ ­
      • parou de cortar cebola descaiu-lhe a mão na banca, faca pendente nos dedos, e os olhos sumiam-se em água com cheiro a cebola­ ­
      • Na panela a sopa fervia, quase sem água, arriscando cheirar a queimado e ela suspirava ....................................................................................
        olhou para os pés onde batia a ondulação do mar e a letra sentada na barca da cebola ancorou-se-lhe nos tornozelos.
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quinta-feira, 19 de julho de 2012

o homem quadrado 1

Basil puxou a cortina do Sol. tinha trazido o escadote que encostara à árvore muito grande. a mãe tinha~lhe dito, no tempo das colheitas, que era o primeiro castanheiro do souto, por isso estava no topo da terra, mais pertinho do céu. a mãe até lhe tinha dito que por vezes o castanheiro trocava segredos com o sol e as nuvens...
Basil estava zangado com os deuses de Tempo. tinha-se perdido nas serranias do interior, onde as flores são escassas, ainda que belas.
Foi o castanheiro que o avistou enroscado na pedra de Sal e contou-lhe das fadas. Basil rugiu e enxotou os ramos que o tocavam. "Mas que fadas" tinha dito "ninguém me ensinou o caminho"...
lembrara-se do escadote e das sombras. não queria formas.
Puxou a cortina do Sol. Olhou para o solo e gostou da sombra. Agora era Basil, o homem quadrado.
Zi, agitou as asas e um leve tom gélido invadiu Tempo.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

a "emissora"

sempre a achei parecida com uma antena! chamavam-lhe "emissora" e era mais rápida e eficiente que a verdadeira. é que em dias de tempo ruim, não se ouvia nada na rádio, mas "a emissora" nunca perdia as ondas.
era tão direita quanto uma antena podia ser, direita porque nem se lhe notava qualquer sinal de escoliose, mas também nunca se lhe tinham conhecido curvas suculentas. O nariz, adunco,  parecia querer conhecer os mais ínfimos segredos e quando ela se inclinava sobre nós, quase que sorvia para o olhar o que dizíamos.
Guardei-a com um casaco verde, direito, a cair ligeiramente abaixo da anca, sobre uma saia de pregas, escura que lhe escondia a perna um palmo abaixo do joelho. Era grande para a época e usava um sapato raso sem forma.
Não tenho grande ideia de sorrir, mas recordo um ou outro esgar que por qualquer motivo estranho a tornavam simpática, assim como um mastigar subtil do canto da boca, como se a palavra estivesse sempre desejosa de sair.
Não sei se ela se sabia como emissora, mas arvorava bem esse papel de conhecedora da notícia: a pública e a ilícita.
às vezes pintalgava os lábios de um vermelho garrido o que lhe dava um ar particularmente absurdo, como se a notícia fosse já de si ajavardada.
É, todos gostavam da emissora, um canal particular de comunicação pública do que não se ousava dizer ou pensar, uma espécie de consciência permanente dos segredos possíveis.
quando se foi partiu parte do colectivo...ninguém deu conta, mas à comunidade foi-lhe parte da alma.

domingo, 8 de julho de 2012

Tróia num vestido de estrelas

a casa era na areia. tinha uma linha azul em toda a volta e depois era branquinha, como a cal! Ao redor haviam mais casas, não eram muitas, mas eram algumas. quase todas tinham a linha azul, em toda a volta, mas uma ou outra eram como castelos, com jardins de plantas da areia (aquelas que são carnudas e algumas têm picos). Benedita gostava mais das que tinham a linha azul, como a dela. Mal abria a porta e passava o lancil do degrau, escorregava-lhe o pé pela areia dourada, quente e fofa e estava na praia. À noite a areia era fresca e cheirava a pinho e a plantas carnudas. às vezes iam lá os saltimbancos, fazer teatros e palhaçadas. Então as pessoas grandes e as crianças, juntavam-se na clareira de areia do pinhal, toda rodeada de tochas em fogo, e viam o espectáculo! batiam muitas palmas e riam-se muito. Uma vez Benedita ficou muito surpreendida porque o palhaço engoliu uma vela que saiu no rabiosque, acesa!!! Como é que tinha saído acesa é que era surpreendente!
a noite era quente, percorrida pela leve brisa que agitava as agulhas dos pinheiros mansos e os pés metiam-se pela areia, no trajecto até casa, desenhando os corpos sombras alongadas pela praia da luminosidade das tochas da arena.
O marulhar da água embalava as conversas e as brincadeiras, junto às casas, antes das boas noites. O rio que se envolvia no mar estava cheio de estrelas. Benedita foi molhar os pés e tocar nas estrelas. Sindala sorriu-lhe do dorso de uma medusa.
Correram em despique até casa. Benedita disse-lhe que gostava de ter uma roupa de estrelas, ou de pássaros. É que havia uma menina na casa com jardim de plantas de praia, que lhe estragava os bolos de areia. Pumba! dava-lhes com a mão espalmada que até a areia lhe saltava para a boca. Com as estrelas ou os pássaros nos vestidos já podia pôr os bolos nos beirais dos telhados. _ "Humm!, vamos ver" - disse Sindala e saltou para um fio de lua.
A cama estava quentinha e a mãe tinha-lhe lavado a areia dos pés. Sonhou com viagens pelo céu, num lindo vestido.
Acordou com o Sol. Abriu a porta, galgou o lancil e o pé escorregou-lhe na areia quente e fofa. Sobre o verde aguado do mar com mistura de rio, Sindala sorria-lhe com um vestido de estrelas nas mãos.

domingo, 1 de julho de 2012

Zi e lia, sonhos de borboletas

chamava-se Tempo, o país! a borboleta Zi voava no jardim de Tempo, onde existiam todas as flores, conhecidas. a couve abriu as folhas e Lia bocejou, espreguiçou-se nos braços, pestanejou e então acordou.
em ritmado bater de asas, sobre a couve aberta, Zi olhava arregalada aquela misteriosa flor, nunca vista. - Bah! Gluu!!- palrou Lia, e esticou a mão para Zi. A borboleta saltou em voo e pairou com leve bater de asas, olhando com espanto o que nunca vira.
-Bah! Gluu!! repetiu Lia. Zi balanceou a cabeça, sorriu-se nos olhos e suspirou. voou devagarinho até junto do sopro de Lia escapando em ziguezague às mãozitas que queriam agarrar o azul e dourado das asas de Zi.
Lia gargalhou e Zi pousou-lhe na testa.
 "Lia", segredou-lhe, "queres voar comigo"? - Conto-te a história das flores de Tempo!
-Gluu!!, disse Lia, fechou os olhos chuchou no dedo e adormeceu. Zi, então descansou.