quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

amado meu amado


encanta-me meu amado, deita-te comigo na eternidade.
Lá, no princípio das manhãs quando o teu olhar toca a curva do meu ombro e os teus lábios se afogam no meu pescoço, meu amado deixa-me acordar no teu olhar.
é que os dias estão cinzentos e me encantou o corpo, a névoa.
desperta-me meu amado, beija-me ao amanhecer,
Lá, no dealbar dos tempos, onde a névoa é o teu sopro, ama-me sofrego, ama-me terno sobre a terra.
eTernamente, meu amado deixa-me viver no teu olhar.
amado meu amado, meu corpo, minha vida deita-te comigo na eternidade.



sábado, 21 de dezembro de 2013

era uma vez...um presépio (tempo1) o musgo

era uma manhã gélida e orvalhada.
Seguiram pela quelha ladeada de muros de granitos soltos em busca dos tufos de musgo que iam atapetar a terra de Deus. não chovia mas o ar estava pejado de gotas que se lhes colavam nos rostos e nas farripas de cabelo que espreitavam sob os gorros de lã. era como uma sauna fria, aquecidos os corpos pelo caminhar apressado, as bocas fumegantes nas faces coradas e um brilho estrelado nos olhares...
os musgos passeavam-se pelo empedrado: uns mais ralos outros mais espessos e verdes mas pequeninos ainda para os propósitos a que se destinavam. O ar frio e molhado não convidava a ir além da fronteira do casario no encalce dos musgos dos pinhais pejados de caruma e pequeninos fetos, por isso era mesmo ali que precisavam de o lascar...todos os pedaços que cobrissem mais que uma pedra eram desejáveis.
Pousarem a cesta. as facas rombas serviam para iniciar a tarefa do desapego da planta à pedra como se de uma esfoliação suave se tratasse de forma a que a placa de musgo se largasse inteira e densa.  não que as mãos fossem a melhor ajuda, que o frio as tornava garanhas e lhes arroxeava as pontas dos dedos, o que significava que uma ou outra placa de musgo se escangalhava quando as seguravam nas pontas insensíveis e as depositavam na cesta.
E a manhã continuava gélida e orvalhada.
- Já está! disse Benedita quando colocaram na cesta o musgo centésimo primeiro. - Anda, vamos, já podemos fazer o presépio. Agarraram no peso das asas, ela de um lado ele do outro, seguiram na volta da quelha, subiram a escadaria e, corredor fora, acolheram-se no fogo da lareira onde a avó resmungava das modernices que faziam ao menino Deus que, dizia ela, devia estar apenas no coração dos homens. Que canseira esta avó- pensava Benedita - mas depois ela havia de gostar.
A roupa fumegava com o calor do lume, tal a orvalhada da rua e sabia bem encharcarem-se no cheiro quente do fumo. as faces afogueavam-se e os dedos ardiam do sangue que por lá voltava a correr. gargalharam e contaram do frio da rua e de como tinham grandes e lindos bocados de musgo. o presépio ia ficar lindo!
a grande pedra de granito, uns calhaus rolados, uns quartzos e as caixas viradas espalharam-se na soleira da janela e vestiram-se de musgo verde, sedoso e húmido, envolvido no céu de cartolina azul escura com milhares de estrelas prateadas. Desenharam monte e vales que pratearam de rios e lagos. Ao longe bem perto do princípio do céu espalharam as areias de um deserto onde poisaram a caravana dos reis magos. semearam carreiros e estradas e bem por baixo da estrela grande o estábulo.
Benedita estendeu-se no chão mãos sob o queixo e achou que aquele era o mais lindo musgo para nascer o menino.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

o tempo de dentro



gostava dos dias compridos, tão compridos que nem tinham tempo. passava os dias compridos a perder-se dentro do milheiral que se abria do outro lado da rua. as canas chegavam ao céu. Eram tão compridas quando olhava o azul lá de cima que acreditava que se as pudesse trepar ia encontrar a terra das fadas.
Acordou num dia comprido, entrou no labirinto verde e saiu do tempo das coisas certas. dentro dos trilhos das canas, por entre maçarocas, barbas e folhas largas ia espreitando o azul por onde chegava a voz da mãe quando era preciso voltar ao tempo de fora. Suspirou, encolheu os ombros e caminhou pelo tempo de dentro. Fechou os olhos e deixou que as mãos fossem esbarrando nos caules e as folhas e barbas mais compridas lhe arranhassem o rosto. sabia-lhe a boca ao milho verde, ainda tenro e leitoso levemente adocicado que costumava rapinar de uma ou outra maçaroca nas suas jornadas. mais p`ra logo haveria de os comer, aos bagos.
- Benediiiiita, Benediiiiiiiita, para casa. Soava-lhe a voz da mãe pelo azul do céu e já tinham passado milhares de tempos. disse adeus às formigas, seguiu o som e entrou no tempo de fora, o certo. Não sabia se havia de contar à mãe da fada, tinha sido há tanto tempo....decidiu que era melhor falar das formigas e dos carreiros.
gostava dos dias compridos, de caminhar no tempo de dentro, sem tempo.

domingo, 8 de dezembro de 2013

olhar do meu amor

gosto que me olhes assim, quando o teu olhar me aquece o rosto e se encanta no meu corpo.
gosto do pudor que me envolve ao caminhar no teu olhar,  que me tomes, que me adores. 
deseja-me então de mansinho, afaga-me com ardor.
fica em mim olhar do meu amor.
gosto que me olhes assim.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

mesmo quando eu não existir?

- e depois?
- depois?!
- ficas sempre comigo, mesmo quando o sol que está no céu estiver quase a morrer?
- sempre...
- mesmo quando eu não existir?
- sempre...
aninhou-se-lhe no colo, escorregou-lhe os dedos pelos lábios e fechou os olhos. O arcanjo envolveu-os e cairam do céu.
o lago baloiçava barquinhos, nenúfares e restinhos de sol.
- olá!
- Olá!
- Como te chamas?
- Basil.
- Ah! Basil eu sou Sindala. Quantos anos tens?
- Humm...esqueci-me, mas disseram-me que muitos.
Basil sorriu, coçou a cabeça e apanhou um restinho de sol.
- Toma, para ti, disse a Sindala.
- Porquê?
- o sol está quase a morrer....
- Ficas comigo?
- Sempre...
apertou-lhe a mão com o restinho de sol, sentaram-se à beira do lago e cairam do céu.
...........
- Olá!
- Olá!
O sol nasceu e olharam-se como sempre.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

as tardes que esperavam os tempos

respirou a vida.
inalou-se das melodias que o sol escrevia nas linhas de vento e lembrou-se das andorinhas pousadas em pautas em dia de partida. Eram nesse tempo dias de ventos, de tardes que esperavam os tempos para o tempo ser. 
Benedita pendurou-se no portão de ferro forjado, trepou pela cancela ao topo da coluna de granito que o alicerçava e pendurou as pernas para o lado da estrada. o céu pintava-se do azul cinzento que o sol deixara ao esconder-se atrás da colina das grandes pedras.
rasgaram o céu enquanto os fios baloiçaram as notas que tinham escrito. Nos beirais os ninhos ficavam sózinhos, aqui e ali umas penas soltas presas nas pequeninas aberturas. Benedita esticou o dorso na pedra áspera a saber ainda ao quente do fim do dia e as andorinhas desenharam dezenas de pontos pretos mesmo no céu que os seus olhos viam.
ouviu a música que o bater das asas tocava. naquele dia soava a harpa. era a melodia escolhida para esperarem o tempo de se saberem o bando daquele dia e partirem, para além do sol.
Benedita partia com elas, um bocadinho, todos os dias. mesclava-se na agitação do bando, e voava o olhar para cá e para lá num adeus de até breve. eram as tarde que esperavam os tempos até a mãe a chamar para a mesa do jantar.
Andava à procura dessa tarde. quando a encontrou respirou a vida, inalou-se de melodias e lembrou-se das andorinhas.