quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

amo-te, devagar


a humidade escorre na vidraça e ris-te do azul limpo e gélido colado na janela
beijas o meu braço que adormeceu no lençol  e vestes-me o desejo
o sol tem um brilho branco quase frio
deixas entrar o cheiro limpo da manhã pela frecha entreaberta e misturas-te comigo
o frio aquece-nos os corpos quentes e os meus braços enlaçam-te
roço os meus lábios na tua pele e amo-te, devagar.
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leva-me, ama-me devagar. é aí que quero estar

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

a imensa fé (ou o pecado da hóstia)

as madres explicavam bem: havia um círculo sagrado, onde Jesus se iria acolher, a hóstia. Era ali que as faziam, centenas e centenas de hóstias com a marca do Senhor. Guardavam-nas em cálices prateados, de ouro forrados que o senhor Abade haveria de consagrar.
distribuíam nesse dia as aparas de hóstias e as que não estavam boas para serem consagradas. Dizia a madre superiora que era pecado deitar fora os pedacinhos que sobravam ou que não serviam para o corpo de Cristo. Era por isso um dia mágico para Benedita.
Benedita adorava a hóstia. Não tinha a certeza de sentir em si o Espírito Santo mas sabia que salivava com especial cuidado aquele pedacinho de "pão" para não magoar o Senhor e ficar em paz com Deus. Aquele bocadinho de tempo da missa, em que apoiava a testa nas mãos e de joelhos engolia a hóstia, era delicioso mas curto, porque a verdade é que só se podia comungar uma vez.....
Por isso e apesar da sua inicial apreensão e até alguma incredulidade,  esperava sempre com ansiedade o dia em que podia ser presenteada com as aparas das hóstias. De princípio cuidou que poderia magoar o Jesus por mastigar aqueles pedacinhos e receou também que apesar de tudo, o corpo de Deus de alguma misteriosa forma pudesse ter por lá ficado.
Foi quando o pai lhe ensinou a transmutação e a fé e lhe disse de forma tranquila e sábia "Benedita as aparas são apenas pedacinhos de farinha e água cozinhados. Não há qualquer mal em as mastigares. O Senhor só está na hóstia consagrada, e só na comunhão o Senhor nos ilumina a alma."
Benedita suspirou aliviada com as palavras do pai e de caminho tirou do cartucho de papel um punhado de aparas que mastigou deliciada. Estranhamente sentiu-se em pecado, parecia-lhe até que Jesus andava arreliado na sua barriga. Rezou por isso muito compenetrada ao anjo da guarda, juntamente com a mãe antes de adormecer e prometeu nunca mais mastigar as aparas.
Desde aí passou a deixar que todos os pedacinhos de hóstia perdidos se dissolvessem na sua boca. Assim não feria o Senhor, andava sempre acompanhada pelo Menino, e rezava serena ao seu anjo da guarda.
Era um pequeno pecado, bem sabia, mas sabia-lhe a imensa fé.



sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

estás em mim

desenhei-te no céu que está do outro lado da planície. entre mim e ti navega uma seara. Decido caminhar por entre as espigas, no ondear do vento no cereal.
não há mais, entre mim em ti, nem outros desenhos no horizonte, só tu.
Sei que te toco antes de chegar a ti.
e estou aqui!
desenhaste-me no céu, no teu lado da planície. estás em mim e ainda não me tocaste. em redor ondeia uma seara. rodeias-me o corpo e deitas-te comigo, nas espigas.
não há mais, entre ti em mim, nem outros desenhos no horizonte, só nós.
estás em mim.