segunda-feira, 30 de junho de 2014

no topo das sentinelas

suga-me a boca, a minha sede sacia-se com a tua.
a pele transpira o calor que o teu corpo cola no meu e os meus seios anseiam pelo teu toque. é sempre assim nas madrugadas das terras altas. Trancas-me as coxas, sussurras-me que o sol brinca com as curvas das montanhas e escorregas os teus dedos no redondo das minhas ancas.
Estou no castelo no topo das sentinelas. Abarcam o mundo e os cercos que os medos nos fazem. Os vales confundem-se com as ravinas do teu corpo mas sei-me segura quando me afogas em ternura.
Às vezes partes, tens batalhas bem para além das curvas do horizonte, dizem até que te atreves no mar, e que as sereias te vão enfeitiçar...
Cresce-me a sede na torre das terras altas. Além, vislumbram-te as sentinelas, regressas.
a minha boca sacia-se com a tua.

domingo, 29 de junho de 2014

Inebrio-te de cheiros

às vezes a noite fica límpida. É como se o frio da escuridão alegrasse a visão do que não se vê. As estrelas tornam-se azuis e lampejam fios prateados por onde escorrega o pó de estrelas.
nessas noites acontecem desejos que se desenham em pegadas no areal, bem junto ao marulhar das águas.
adormeço no pó de estrelas. Acordo. estou nas pétalas da flor que a manhã singela desabrochou. O sol aquece a névoa matinal e os teus braços envolvem-me. Inebrio-te de cheiros.
às vezes a manhã fica quente. É como se o calor da claridade irrompesse o universo de paixão.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Samil, a felina

as saudades faziam-lhe comichão, naquele sítio em que a respiração se misturava com o suspirar.
Suspirou e olhou para as mãos. Sentia-lhe ainda o toque, a respiração quente sobre o seu ventre. Aninhou-se sobre as almofadas do cadeirão grande. O sol estava no fio do horizonte e rasgava os céus de laranja e rosa forte. Samil lambeu-lhe os dedos, saltou para junto dos seus  cabelos e esfregou-lhe o focinho cor-de-rosa no nariz.
"-Samil",-disse-lhe Balbuína lamuriosa,- " ele vai esquecer-me.."
A felina ronronou, espreguiçou o corpo e olhando-a bem de dentro da fenda preta dos seus olhos cantarolou uma poesia enrolada:

"- foi ele cativo do teu amor,
o amargor da partida no olhar
leva o teu sabor na alma
e dos Deuses a missão dada
que é de Tempo resgatar
acredita senhora minha
que naquele mar imenso

no teu suspiro vai regressar"

Balbuína sorriu.
" Samil, disse, és a gata mais doce e sedutora destas terras. Aqueceste-me o coração. Mas temo que sejam tantas as provações que mesmo que me não esqueça, possa não conseguir voltar!"
"- Navega ele no mar da saudade, minha senhora das mantas. É feito dos teus suspiros, para que ele saiba voltar. Assim ele te sussurrou no leito, por isso sempre deves suspirar".
Balbuína olhou o fio do horizonte. O Sol latejava as cores do fim do dia. Suspirou, as saudades faziam-lhe comichão naquele sítio. Sentiu-lhe a respiração quente sobre o ventre. Voltaria, sim.
Samil enroscou-se no seu pescoço e adormeceu.

sábado, 21 de junho de 2014

a mulher que ia à fonte

naquele tempo não havia melhor actividade social do que ir à bica. Benedita ficava logo agitada quando via a Maria do Carmo a chegar e a agarrar o vasilhame para ir à fonte.
A Maria do Carmo era a mulher, que na aldeia, ia à fonte.
Benedita acreditava que ela era um cântaro que se tinha transformado em pessoa, tal era a parecença física. Não fossem os pêlos que tinha sobre os beiços e nas pernas e a semelhança era perfeita. Comprida, maior que os homens da terra, usava um saco de pontas ajustadas, que arrumava sobre os cabelos apanhados num toutiço, de forma a proteger-se dos salpicos da água. Essa capa ensarapilhada caía-lhe sobre as ancas fazendo-lhe um bojo lateral no corpo, tal qual os cântaros. Dali pendia uma saia sem forma que lha caía a direito sobre as pernas altas tapando-as quase até ao meio da canela. Nesse intervalo que ia até `ponta das meias que desfaleciam sobre os pés saltavam uns pelos fartos e pretos que a tornavam diferente do sedoso brilho de latão das vasilhas que todos os dias transportava acima e abaixo para casa dos seus clientes. Era seca de carnes e o pescoço alto encimado por um rosto míudo,  de onde espantava um sorriso quase infantil, parecia a boca das bilhas. Levava sempre três cântaros: o maior assente na rodilha que punha à cabeça e os outros cada um em cada mão, fazendo um jogo de equilíbrio que criava uma constante ondulação entre o corpo e a cabeça como se uma cobra ali se ondulasse.
Benedita tinha uma rodilha das que se compravam nas lojas, já feita, mas a Maria do Carmo tinha-lhe ensinado a fazê-las dum pedaço de pano, que "essas é que eram boas" dizia ela, para se ajeitar o cântaro ao corpo. E lá ia, calçada abaixo até á bica, cantarinha na mão, que elas sem lastro desequilibravam-se mais depressa, pés a pular no empedrado, e o corpo a imitar o jeito ondulante do pescoço da aguadeira. Chegadas à bica havia que esperar a vez, os cântaros eram muitos e na espera trocavam-se as novidades, contavam-se segredos e desvendavam-se intimidades, que nas aldeias quase todos conheciam.
A Maria do Carmo não era nem de muitas, nem para muitas conversas, tinha uma vida exposta. todas lhe sabiam dos pais dos filhos e deles até se apiedavam. Por isso ali ficava postada, pernas meio abertas, braços cruzados à espera da sua vez, bem amada pelo mulherio da fonte.
Enchidos os cântaros lá seguia ladeira acima, corpo sem formas mas em equilibrio perfeito.
Benedita nem sempre voltava com ela. Por vezes ficava na galhofa com as garotas que iam já a buscar água e que carregavam  as bilhas em baloiço exótico, ainda um braço a amparar, invejando-lhes a quase perfeição.
Quando voltava sentia-lhe uma harmonia intensa como se a fonte fosse ela. Compenetrava-se então em carregar a sua cantarinha, mão sempre na asa que o jeito de pescoço parecia querer atirá-la ao chão e quase, quase conseguia breves segundos em que o vaso ondulava conforme o corpo.
"- Não s`apreocupe menina, c`o tempo vai a conseguir" dizia-lhe a Maria do Carmo.
Numca conseguiu, nunca como ela. A fonte era ela.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

amou-o, do outro lado

estava do outro lado.
encostado no gradeamento soltava palavras por sobre olhares sequiosos.
Caía-lhe sobre a testa uma mecha de cabelo revolto, tal qual a forma ardente como jogava o corpo, naquele palco improvisado.
"Tinham corrido rumores de que os senhores lhes iam tomar os filhos e quando o arauto o anunciou, de forma clara na praça da vila, ecoaram em lamento profundo. Tempo esvaía-se em dor, as terras começaram a ficar cinzentas e o Sol passou a ter uma cortina de névoa, eterna. Esqueceram-se os sorrisos e os sons eram ecos por entre as casas.
Quando ele chegou, espantaram-se. Tinha um brilho no olhar, um sorriso tão grande e falava palavras fortes que magoavam o ar. Quase o temeram porque se tinham esquecido dos sons"
E ele encostou-se ao gradeamento, despertou vontades quando falou, e no meio da praça as gentes decidiram que era tempo de pintar de novo as cores.
Olhou-a. estava do outro lado, amando-o.
Seguiu com as gentes, a pintar o mundo. Sindala foi desenhar a fantasia.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Enlevo

enleia-me, meu bem
acontece-me de madrugada
suspiro eu, meu bem,
em ecos de manhãs claras.
anoitece, meu bem
guarda-me na tua alma
e adormece, meu bem
comigo na flor deitada.
segreda-me, meu bem,
das pétalas de seiva amarga:
"- eterna amada..."
meu bem enleva-me.

terça-feira, 3 de junho de 2014

semeou-a de carícias


desenhou-se sob o umbral da porta.
não se soubera ausente apenas tinha dobrado a esquina do fundo da viela. Ainda levava no corpo os sussurros da paixão, toques lânguidos que o dançar das ancas soltava ao caminhar.
Roçara-lhe o rosto um  repentino tufo lilás, de uma jacaranda no topo da grande alameda, quando a esquina dobrou. depois dançou caminhos de toques lânguidos à procura das mãos que a tocaram.
quando o olhou, de sob o umbral da porta, semeou-o de carícias, sorriu-lhe de dentro da sombra desenhada e dançou as ancas por entre o toque das suas mãos.
semeou-a de carícias, ele.