terça-feira, 20 de novembro de 2018

os dias distraídos

no Inverno chegavam os dias opacos. Eram dias que escorregavam por entre as golas, por mais chegadinhas ao pescoço que estivessem, e faziam sair rolos de fumo da boca de Benedita.
Havia dias distraídos. parecia que se esqueciam do frio. mas era só uma distracção nos breves momento em que parecia que se fazia ginástica ou que se era um pequeno cantor. Na verdade havia pequenos brilhos no olhar sonolento dos meninos, mesmo quando aqueciam as mãos no quente dos sovacos e cantavam " eu tenho um pião, um pião que dança, eu tenho um pião mas não to dou não".
Por esses dias era natal. a mãe cantava sempre com os meninos "entrai, pastores entrai..." junto ao presépio de musgo, enfeitado de figuras de barro. e saíam rolos  de fumo da boca de Benedita e dos meninos, que embaciavam os vidrilhos da janela e faziam um quentinho pequenino a fingir que havia ali um lume aceso e que não era preciso soprar os dedos para não ter frio. 
mas os dias eram opacos, entravam húmidos e frios pela golas mais chegadinhas e os meninos não tinham golas, nem botas quentinhas, ainda que nos dias distraídos parecesse que tinham, assim por um bocadinho. Benedita nem sempre compreendia o frio dos meninos porque eles vinham sempre para a escola mesmo a tiritar a ponta dos cabelos e gostavam dos dias distraídos.
Por esses dias, que era natal e a sopa continuava forte e quente, bem recheada de couve, feijão e massa mas acresciam-lhe uns nacos de carne e a fatia de pão era grossa e mole a mãe trouxe uns embrulhos de papel pardo atados com uma guita que disse, " eram uma prenda do menino nu". brilhou-lhes o olho, aos meninos, e a cantina de mesas e bancos corridos encheu-se do som de chancas e de piões a girar no chão.
por um bocadinho só por um bocadinho distraíu-se o dia...apenas se distraiu, fez um intervalo nos dias opacos.

domingo, 18 de novembro de 2018

a terra seca

lá fora a chuva cheira de mansinho a terra seca...
Contempla-me. estende o teu olhar sobre o meu corpo e descobre-me.
Estou nua. A sede de me olhares agita o mar da minha pele.
navega-me. abraça-me em ondas de paixão.
depois, contempla-me. Há no silêncio a louca ternura do teu olhar . .
lá fora a chuva cheira de mansinho a terra seca.