sexta-feira, 21 de junho de 2013

as improváveis palavras

saltou, caiu na arena do improvável e rasgou as palavras já construídas. procurou as frases na plateia e de repente estava no país de Pequenu...o gnomo que vivia no país dos livros grossos e que lhe acalentara a infância. É que aí as letras eram grandes e não precisava de óculos e o livro era gordo mas lia-se depressa.
procurou a mudança da marcha atrás porque a chave não rodava na ignição. mas a verdade é que não conseguia juntar os pedaços espalhados. e o atoleiro aumentava e escorregava, escorregava....
saltou, caiu na arena das improbabilidades e reconstruiu o vazio. tinha atravessado um buraco negro e suspendera-se no tempo.
Abriu os olhos e lá estava na biblioteca itinerante, a casinha de cheiro a livros e cheia de histórias. Levava um novo Pequenu, quase tão grande quanto ela.
- Benedita, disse a mãe sorrindo-lhe, vamos minha filha. Deu-lhe a mão e pulou no empedrado. Suspirou e deixou-se ser menina, por um bocadinho, na história das palavras que tinha rasgado. Tinha encontrado o colo da mãe.

Iluminavam a avenida

caminharam como se os corpos não se tivessem emaranhado e o cheiro das peles húmidas não inebriasse as folhas das árvores da alameda. sorriram uma cumplicidade disfarçada que as mãos desejavam demonstrar.
Iluminavam a avenida, o sorriso que a ela lhe bailava no olhar, o orgulho que a ele lhe gingava nas ancas. - "ninguém vai saber, dizia-lhe, caminha assim, só ao meu lado" e ajeitava-lhe um caracol sobre o rosto. é que era inseguro deixar imaginar!
Seguiram, lado a lado, o cheiro de um no cheiro de outro, o corpo de um no corpo de outro. e lado a lado, conversa fiada de rua, atiravam-se nos braços um do outro, enredavam-se em sôfregas carícias e gemiam prazeres imensos. E sorriam das memórias que só eles sabiam.
É que era delicioso deixar imaginar!

quarta-feira, 12 de junho de 2013

tenho-te no cheiro...

sei saber-te pelo cheiro. sei se te gosto, se te quero comigo no corpo, se é na carícia que te anseio.
saboreio-te pelo cheiro. sinto-te o sal suado, a viscosidade do barro, o sabor a esteva e alecrim.
sei que te  quero no cheiro. ter-te em mim, volúpia de chocolate menta, onde adormeço o cansaço, e acordo a poesia.
tenho-te no cheiro.... por aí te encontro se me perder.

domingo, 9 de junho de 2013

o lado contrário do sol

ela saiu assim. o peito apertado de uma saudade tão grande quanto a chuva que caía dolente nos sábados dos dias cinzentos. era por isso uma saudade que escorregava na calçada por onde os seus passos ecoavam. o eco dos saltos, ouvia-o nas gotas de chuva.
ele estaria no cabo do mundo, numa nau de madeira à espera de levantar âncora. assim ela lhe aconchegasse a saudade do peito mal as gotas de chuva lhe invadissem a amurada.
apertou-a no peito, a saudade feita de presença ausente. embalou-a nas velas que os suspiros enfunaram e zarpou, rumo ao lado contrário do sol.
amou-a na gota de sol  feita da saudade da chuva dolente.

domingo, 2 de junho de 2013

o baloiço perdido

a aragem traz-me o som das vigas onde o baloiço geme. estou mais perto do céu, a copa da velha tília ao alcance da minha mão, os cabelos soltos a rasar o chão quando lanço os pés para ir mais longe. assim viajo nas linhas que os meus olhos tecem, na rota que me traz de lá para cá, de cá para lá, uma viagem sem princípio nem fim na cadência forte do universo escondido no baloiço do meu jardim. e vogo na barca dos sonhos, na espuma das nuvens brancas, ao sabor do vento que faço quando o meu corpo se abre e balanço, só balanço...o sol navega comigo,baila nas pontas do horizonte, lambe-me a pele e aquece-me o rosto que o vento arrefece.
a aragem traz-me o som das vigas onde o baloiço geme. entre o quente e o frio procuro o baloiço perdido do meu varandim
leva-me, vai vem do vento que faço.