quarta-feira, 18 de novembro de 2015

a dor

não sabia o que fazer com a ternura, parecia que a ternura a despia e de seguida ficava nua, por dentro.
Às vezes doíam-lhe os abraços.

sábado, 14 de novembro de 2015

viajar

estava desconhecida a estrada, que era o que não era, um trilho estreito por entre tojos e rochas e um vale profundo. parecia não levar aos lugares do fundo mas eu levava-te comigo e na viagem tocavas o pedacinho de sol que me aquecia as brincadeiras no largo da igreja, sonhavas comigo as correrias por entre as canas altas do milho, choravas comigo algumas lágrimas esquecidas.
gosto de te levar, que viajes dentro de mim, que num instante entres pela minha história e ouças as cigarras que eu ouvi e tenhas entre as mãos o mesmo luzir dos pirilampos que eu escondi.
e de repente estás ali, no fundo das escadas, onde as carochas se passeiam por entre os nossos passos e dizes: - minha mãe dá licença? quantos passos? e avanças e recuas conforme te quero tão perto ou quase tão perto....
viajas dentro de mim quando ousas passear nas minhas memórias.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

no infinito


seguiam pelo trilho junto ao mar, de mãos dadas, os ombros lassos e descansadamente encostados um no outro. O sol brilhava a fim de tarde, num brando calor rasgado de vermelhos intensos.
- quisera que sempre assim o dia fosse e tu me olhasses tão brando quanto a luz do sol e quero, meu amor, que me leves na tua barca até ao infinito. Sindala parou, rodeou-lhe a nuca com os braços e beijou-lhe mansamente a linha da orelha.
- que doces os teus lábios, que belo o brilho dos teus olhos, segredou-lhe. Ao infinito, e sorriu, sim levo-te até ao infinito.Sabes onde fica?
Sindala olhou-o, segurou-lhe o rosto entre as mãos e encostou-lhe, leves, os lábios.
- Não, não sei. Sei que desde o dia em que chegaste, me disseste que um dia me levavas ao infinito. Fica onde, então?
- Aqui, entre mim e ti, no calor que o teu corpo deixa no meu, tão brando quanto a luz do sol do fim de tarde tão intenso quanto os vermelhos do horizonte.
- Leva-me...
- Levo-te...
entrelaçaram os dedos, subiram na barca e navegaram no infinito

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

dançou

a música era quente, voluptuosamente ardente. envolveu-se-lhe no corpo, o som das teclas e dos metais, a cadência dos tons secos da bateria.
sentia-lhes o olhar preso no gingar das pernas e no balancear do peito.  elevou o rosto, e em mirada de subtil erotismo sorriu e  dançou.
ondeou o corpo, um maneio das ancas  num lento frémito dos ombros. envolveu-se nos braços, afagou-se em suaves toques sobre o ventre, sobre os seios. o corpo em doce e lento velejo, os olhos cerrados, e a música.
os sons eram quentes, voluptuosamente ardentes.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

quando o azul se apaga

havia uma linha no horizonte. de um lado fazia azul, do outro mesclavam-se verdes e castanhos. no azul corriam sonhos brancos que às vezes tocavam o outro lado da linha. quando se tocavam derramava-se o azul nos verdes e castanhos e a terra preenchia-se de céu.
Nesses dias amavam-se as deusas e os homens. escolhiam os desertos e desenhavam flores por sobre as areias quentes
havia uma casa, talvez a sombra de uma casa na linha do horizonte. imiscuía-se no azul. do outro lado, para lá do horizonte, havia outra linha. de um lado fazia azul e do outro também. corriam nos azuis espumas brancas, que se tocavam em gotas, sopros de águas. quando se tocavam enchiam-se os rios de chuvas e os mares beijavam os céus.
Nesses dias amavam-se os deuses e as mulheres. escolhiam as eternas neves e desenhavam flores por sobre os gelos quentes.
caminhava por sobre o horizonte. um fio, uma linha, tão frágil...tão frágil.
sentou-se no horizonte, recostada no azul, mas os deuses andavam ausentes. nesses dias amavam as mulheres e as deusas sabia-se que amavam os homens.
tão frágil na linha do horizonte. olhou-me, os olhos profundamente ausentes de tão presentes. puxou a linha do horizonte e apagou o azul.