sábado, 31 de dezembro de 2011

pirilampo


deu um passo e caiu. Sentada no chão sacudiu a cabeça e sorriu :)
lá mais à frente luzia um pirilampo. estendeu os braços e escorregou o corpo pelo chão.
- Olá pirilampo! e sorriu.
ergueu-se e dançou e pirilampos iluminaram-lhe o rosto na coroa de luzes com que a toucaram.
um rio de pequenos lampejos na cascata de cabelos...e sorriu.
e beijou a flor ali encontrada e se perfumou.
deu um passo e caiu, do lado de lá, sentada no chão frente ao fogão e sorriu...
esfregão na mão, escorregou no chão e estava lá o pirilampo lampião e....sorriu ;)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

e nascemos, nus e nuas...

naquele dia nasceu uma menina.
 Nasceu  linda e nua e iluminou a lua.
naquele dia as fadas bailaram
 e flores de prata colheram
aquele dia, não sei qual era,
quando a menina nasceu
acordou o reino das sombras
 e de luas o preencheu
naquele dia que não existiu, o universo explodiu

pintou um jardim de estrelas
 e mil mundos de vida
e nascemos, nus e nuas,
 natais de todos os dias
e, nesses dias, as fadas
 dão-nos as flores de prata

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

em jeito de sinfonia

lá estava, aquele pequeno reduto mágico, flor de pedra e cal por entre os canteiros geométricos do jardim do centro da vila. Avivava-se na Primavera e explodia nas noites quentes de Verão. Nas festas então, derramava-se sobre as gentes agitando, sobre os amores perfeitos de colorido intenso, colcheias e semibreves que os tocadores da banda nos seus fatos de gala ali gemiam ou vibravam.
Eu gostava mais do tempo da Primavera, por norma ao Domingo. Os sons que bem cedo acordavam as gentes piscavam encantamentos e a romaria começava mais cedo. Atrás da banda começava o povo a movimentar-se e a praça ajardinada enchia-se. A rala teia de cadeiras rapidamente lotava. De pé, em curtas passeatas, os vilanenses trocavam breves cortesias e sorrisos de bons dias aconchegando de afectos as sinfonias da filarmónica.
À volta ou ziguezagueando por entre as roupas domingueiras, corriam saias plissadas e rodados vestidos floridos das gaiatas num jogo de apanhada procurando distrair os cachopos que jogavam à carica no lancil do passeio.
E a banda tocava: clarinetes, saxofones e tubas e pratos e tambores tornavam-se a orquestra elegante e culta do domingo de Primavera, que o Sol aquecia. Então o coreto iluminava-se, o tempo parava, só a música em suaves ondulações preenchia o espaço e embalava os solfejos dos corpos, até à hora da missa.
Eu? eu ia entrando no templo, de saia plissada,bem agaitada , saracoteando os ombros em jeito de sinfonia, levando coreto e banda e tempo de fantasia.
Quem dera, amanhã ser Domingo na vila.


domingo, 11 de dezembro de 2011

nascer

não explodiu de amor nos primeiros dias. O nascimento tinha sido um acto de magia e apenas o olhava, extasiada.
O parto tinha sido longo e difícil. Tão longo que nem lembrava a dor só o cansaço permanecia.
Tinha temido apenas não ter força para o trazer à vida. Entre lavagens da ventosa de uma parteira pragmática, gritos de incentivo do, com certeza assustado mas motivador insane, companheiro e alguma desorientação do obstreta, deu o vitorioso puxão que trouxe logo um vagido choroso. Ainda pernas e braços recolhidos, sexo desconhecido. Não era tempo de ecografias e apesar de se poderem fazer, quis permitir-se imaginar o ser menina ou menino, ainda que o desejo pudesse ter uma preferência.
- Não mo leve...pediu à parteira que apressada pretendia tratar da limpeza da criança - quero-o sobre o meu peito - e a voz sumia-se no cansaço, apesar do olhar brilhante. Era perfeito e era um menino, logo lhe tinham dito e, pegado como um coelho coberto de uma leve gordura esbranquiçada, assim a parteira lho colocou, sobre o peito, pés virados para o rosto, sem poder olhar os olhos algures fixados. E acariciou-lhe, breve, as pernas roliças e pegajosas, que a parteira de forma rápida lhe surripiou ao contacto, que era hora de terminar a tarefa. Eram 4.40H. Tinha 4 quilos.
Então não explodiu de amor, olhava-o e dizia: - Não percebo como saiu de dentro de mim, já percebeste como aconteceu? perguntava vezes sem conta ao também extasiado companheiro.
E não o sentia seu. Temeu não ser normal. Aquele amor de mãe que tanto ouvira falar, não estava lá ou então não sabia o que era. Mas adorava olhá-lo e quase com temor afagar aquela carinha e contar-lhe os dedos um a um. Mas ai...a explosão de amor, não sabia onde estava.
Saiu orgulhosa e triste da maternidade. Aquele vazio do ventre não se preenchia.
Naquela noite, na mamada da madrugada, o menino engasgou-se. Tempo demais, não sabia o que fazer, nem conseguia gritar.
A avó  que ainda cirandava pela cozinha, entrou porta dentro, casualmente e casualmente percebeu que algo não estava bem. Entregou-lhe o bébé, olhar culpado de angústia crescente e disse: - Mãe ele não respira.
O arroxeado da pele, os "então, bébé, então" da avó, que começava a mostrar sinais de angústia por entre os sopros que lhe fazia, apertaram-lhe o coração tanto e de tal modo que apenas dizia: - Mãe, mãe, o meu bébé, o meu bébé...
 Ele respirou, chorou e ela explodiu de amor.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Uma história de amor: do acto do casamento: 7 de Dezembro de 1961

28/11/1961
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Oh! Quando será que volto a sentir-te de verdade nos meus braços! Deus permita que seja muito breve. Desde que foste embora que tenho sonhado em ir passar o Natal, dia da família, junto de ti: eu, a nossa pequenina e tu, que nessa altura já serás o meu querido marido. ........................ Querido, hoje tive que desabafar, já não podia mais ocultar todo o amor que sinto e sempre senti por ti. Bem o sabes, se me tenho mostrado um pouco fria, não é por mim, mas sim por teres dito numa carta que bem escusava de mostrar ternura e grandes agradecimentos por teres resolvido legalizar a situação.
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 Ó querido (....) tu és tudo para mim. Gosto muito da minha mãe, muitissimo da nossa querida filhinha, mas de ti não gosto menos. Gosto muito, muito de ti (.....). Sinto tantas, tantas saudades tuas.
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Sabes uma coisa? Hoje de tarde fui à Conservatória saber se podiam enviar, no avião de amanhã, os editais para aí. A princípio disseram que não porque o prazo só acabava no dia 29 e portanto só iria no avião de Domingo. Depois tendo dito que tinhas tudo combinado para realizar o casamento no dia 2 e que tal demora iria transtornar tudo, acabou por ceder e lá seguirão amanhã, para depois combinares logo que possas o dia para o acto.
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E agora é a tua querida (....) que te dá beijos muito grandes......
                                                           Tua ........
P.S. Fui eu que pus os editais no correio

12/12/1961

                       Meu (...........), meu muito querido marido

Embora desde há muito te considerava meu, muito meu, pelo amor que te dediquei, pela vida que levámos e principalmente pelos laços de sangue que nos liga à nossa querida filhinha, hoje o nosso casamento veio confirmar  mais essas palavras "meu, muito meu". E nunca me enfado de as pronunciar. Ontem, quando li a grande notícia que há já alguns dias esperava com ansiedade, e pronunciei as palavras escritas pelo meu querido marido: "minha cara e legítima esposa", crê (....) que não pude continuar a leitura, pois tive de desabafar porque os olhos já não podiam conter as lágrimas. E chorei de alegria e comoção.
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Ó (...) querido, deves bem calcular como me sinto feliz agora. És meu, meu para sempre. Serei sempre tua fidelíssima esposa, compartilhando das tuas alegrias e tristezas, ajudando-te em tudo o que estiver nas minhas possibilidades, serei a mais dedicada das esposas, afagar-te-ei com todos os carinhos, serei uma mãe estremosa......................Ó meu Deus! Vós recompensais sempre os que sofrem. Muito vos agradeço a concepção desta felicidade. Peço-Vos de todo o coração que sempre me acompanheis.
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Agora que a nossa vida se modificou deixa-me passar este Natal feliz junto do meu marido querido e ao mesmo tempo abraçar-te muito, matar estas saudades que vão sempre aumentando. ---------------Desculpa inscrever-me para a passagem sem a tua autorização, mas sempre pensei que a surpresa que me querias fazer era dizer para ir aí passar as férias....
 ........................A tua sempre e muito querida (..........)

16/12/1961
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Hoje quando me disseram que tinha carta tua fiquei muito contente, mas julgava que tivesse vindo de barco..... De verdade, se tivéssemos combinado mais cedo a minha ida aí, tinha aproveitado o barco que saiu daqui no dia 14. A esta hora já estaria junto de ti e terias a nossa pequenita mais uns dias junto do seu papá. Como deves calcular estou ansiosa que estes dias passem depressa para chegar o dia do embarque. As horas quase que são contadas.
Já pedi licença ao Director para ir à (............) e fiz o requerimento ao Ministro para autorizar a usar o teu apelido nos documentos oficiais. Portanto já tenho tudo em ordem. Segunda feira já irei levantar as passagens.
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Dizes então que tens sonhado ultimamente com a nossa menina? São as muitas saudades que sentes por ela. Se Deus quiser na 5ª feira já a terás nos teus braços para a abraçares e beijares com muita meiguice...
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E agora é a tua querida esposa  que te abraça e beija muito, muito,
                                    Tua muito querida (.......)


http://www.youtube.com/watch?v=_s-gU5movZo&feature=related

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

o tempo é uma aventura

a aldeia vestia-se de humidade cinza. Uma estranha mistura entre as fumarolas das chaminés e os bafos quentes da terra envolvia o casario num familiar cheiro de lenha queimada. Nos becos e travessas nem vivalma. A manhã convidava a permanecer no quente do lar e a ousadia de qualquer ente, fora de portas, era fácilmente notada, pelos passos que ecoavam aldeia fora.
Benedita não tinha frio. Saltitava de pé para pé com as suas meias até aos joelhos a escorregarem pela canela, saia de pregas em rodopio constante. Comidas as migas de café com leite, encostava a testa aos vidrilhos da porta,  e enquanto esperava a  autorização para sair ia desenhando flores e corações no bafejo que soprara nos vidros. Quase sem querer, devagarinho, ia abrindo a porta esgalgando o pescoço e enovelando-se na humidade de cheiro a lume que a rua emanava e devagarinho voltava ao desenho não fosse a mãe proibi-la de sair, por causa do frio. Nisto ouviram-se os badalos muito ao longe, som quase sem som. O pastor ia para as cercanias e Benedita correu para a mãe, para sair, porque com as ovelhas, com os balidos que iam atravessar a aldeia ousava-se mais, fora de casa, e já poderia brincar na rua.
- Mãe, mãããe, gritava Benedita pelo corredor, já posso ir brincar? já ouvi o rebanho a ir para os lameiros. Deixa, mãe, deixa eu ir!
A mãe deixou e fora de portas, no pequeno largo fronteiriço,enquanto esperava outros garotos que a ela se juntassem ia, de saltito em saltito, e a cantarolar uma lenga lenga, pisoteando as caganetas caroço de azeitona, percorrendo o rasto do rebanho. Lá ia ela, Benedita, rosto rosado e vibrante, alegre e saltitante, meias meio descidas nas canelas, botas de atilhos laçados, pela rua acima no rasto das caganetas que não se colavam ao calçado, ao encontro da brincadeira com a restante cachopada.
  É, quando se é criança, não se tem frio, nem calor. O tempo é apenas uma aventura e Benedita brincava na rua!

aquele raio de Sol

sabes, daquele raio de Sol que brincou sobre as cores vivas da roupa da minha cama?
que me percorreu a perna em suaves bicadas de ternura depois de me teres olhado, e suado me teres dito:
 -" tens olhos de deusa!"
Aquele raio de Sol que atravessou a saliva das nossas bocas, quando me beijaste e disseste:
- "És tão linda!"
aquele raio de Sol que lampejou sobre o meu rosto, naquele orgasmo que repetimos e eu te digo:
- "Amo-te"
Esse raio de sol guardei-o, para o soltar no meu peito, se acaso as portadas das janelas do meu quarto se fecharem.