domingo, 29 de setembro de 2013

nas danças de roda

voa meu amor,
apanha-me nas danças de roda,
leva-me e senta-me na via das estrelas.
voa comigo, meu amor
deixa que o anel caia nas minha mãos
e que eu estremeça para me adivinhares
voa meu amor
entra nos jogos de roda com as flores das nuvens rosa
deita-te comigo sob as estrelas
voa comigo meu amor
adivinha-me por entre as ervas das danças de roda
toca-me com o sol que o teu olhar transporta
leva-me no teu voo, meu amor



sábado, 28 de setembro de 2013

do indizível

há o indizível.
onde a paixão se esconde nas sombras da candeia e dança solta no crepitar do fogo na madeira.
entraram com as sombras. Ficaram os ecos dos corpos, dos sons, da volúpia.
há o indizível.
a paixão acontecida. um outro universo.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

o malote vermelho

tinha um malote vermelho, e o malote tinha uma chavinha. Lá dentro o lencinho de mão a moeda para pôr na missa e a moeda para dar esmola.
Era domingo de manhã, dia do banho de imersão e do aparar das unhas dos pés e das mãos. a mãe vestia-lhe a combinação e a saia de pregas, branca. depois a blusa, os soquetes e os sapatos de domingo. o casaquinho de renda aconchegava o fresquito da manhã e após o passar do cheirinho no lóbulo da orelha agarrava no malote vermelho e descia a escadaria, como senhora crescida.
no caminho até à vila, de mão dada com a mãe, ia saltitando, malote a batucar-lhe nas pernas na evidência de uma chavita em oscilação pendular que guardava mirabolantes segredos e secretos objectos. "Que bonita malinha, Benedita" diziam-lhe as senhoras amigas da mãe na antecâmara de conversas antes da missa, sob o olhar de esguelha de algumas meninas da sua criação. E Benedita sorria e dizia "Foi a mãe que deu".
A missa iniciou, entre orações e pregações, com as vestes de ouro brilhante do pároco, na desenfreada ginástica entre estar de joelhos e estar de pé, até ao sermão, hora de descansar o corpo para estar atenta às palavras sábias do senhor padre. O malote descansou também, sobre os seus joelhos, bem vermelho na fila de crentes. Benedita agarrou na chaveta de duas línguas e abriu o fecho. devagarinho levantou o tampo, e retirou o pequeno espelho que estava na bolsinha interior. Mirou-se, vaidosa, lançando olhares laterais para as suas rivais e esfregou os lábios, como a mãe quando punha batôn. Vitoriosa começou a fechar criteriosamente o malote, dezenas de olhares colocados em si quando, no silêncio das consciências que pareciam ouvir o sermão, o esparvalhado do seu irmão disse:"- Mamã, hoje dá o Piruças?"
Até o malote lhe escorregou, toda a igreja sorriu e acabou-se a atenção.
Mas tinha um malote vermelho, que abriu e fechou dezenas de vezes durante as conversas do adro cheias de sorrisos ligados ao Piruças.
A mãe deu-lhe mais tarde um resto de batôn vermelho que, religiosamente, juntou ao espelho.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

a barca

leva-me contigo
abraça-me
prende-me nos teus sonhos
deixa-me ser rainha
ser alma, dançar a tua calma.
É que hoje
o sol brilha no céu
o mar canta nas vagas
e ao porto chega uma barca,
livre e bela,
no voo das gaivotas...
e o amor voga...voga...

terça-feira, 24 de setembro de 2013

em valsa nua

ondulava o corpo, ancas ao sabor das ondas e o ventre tocado nas cordas de um violino.
prendeu-lhe as ancas e dançou com ela, pés na areia branca e fina da praia, coxas nas coxas, os corpos suados nos sons das teclas, das cordas e dos batuques.
soltou-se nos braços dele, o corpo em valsa nua banhado de luz de lua.
roçou-lhe o colo, a pele dos lábios, os olhos de sonhos fechados.
ergueu-a nos braços e dançou noite fora com ela, em valsa nua.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

a seara em que te amo

quero-te comigo na palha de cheiro a searas,  quando o Sol se deita à sombra das nuvens
que o vento não sopra.
E voo por sobre os campos lisos e doces das terras quentes quando o calor do teu corpo é meu.
e quando o vento sopra
é porque canto no vento o meu amor ardente,
no voo em que te tenho, na seara em que te amo.

sábado, 21 de setembro de 2013

na casa perdida

havia uma casa perdida. estava na esquina da minha memória, preenchida de quartos repleta de sobressaltos. amei-te na casa perdida, no canto aberto para o regato das névoas. amei-te em lençois soltos e na erva do quintal.
entrei no espaço sem porta e sentei-me na rede da cama esquecida. o veludo dos teus dedos perdeu-se nos meus ombros. Cheiravas-me à hortelã do vaso que tinhamos no peitoril da janela.
o vestido escorregou-me da memória e encostaste o teu corpo no meu...acordei nos teus braços.
amei-te assim na casa perdida. guardo no corpo o sabor dos teus lábios a hortelã.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

a gavinha inquieta


cocegou-lhe o pescoço quando tombou da esguia haste. era uma gavinha inquieta e Benedita recolheu-a para junto das flores lilases e cheirosas da ervilheira. Ali, naquela floresta encantada de sombras rendilhadas, o caminho do meio deixava-a entrar no mistério. mal entrava sumia-se o mundo, até o cocuruto da casa deixava de tocar o céu.
bem por cima da sua cabeça a arcada verde enredava-se numa tela quase sumida de azul e de um lado e outro do caminho do meio as canas seguravam gentilmente fiadas de plantas altas salpicadas de cheiro lilás. aqui e ali havia princípios de vagens doces e algumas gavinhas soltas do entrançado da cana.
o caminho do meio não tinha fim, nem tempo.
Benedita ousava-se por lá na perdição do suco doce das vagens, aquelas que mascava quando a mãe debulhava mil e uma ervilhas nas manhãs pardas de primavera. gostava desse encontro antecipado, antes da colheita, quando as flores chiavam cheiros e as vagens tenras  exibiam uma cor amarela desmaiada e suculenta.
percorreu o caminho do meio, sem fim. a borboleta esvoaçou quando a gavinha inquieta tombou. Benedita seguiu-lhe o voo de flor a flor, por entre os caminhos estreitos das fiadas de ervilheiras carregadas de vagens doces e as hastes abriram-se em Tempo. Encontrou Sindala com Zi pousada no ombro. Deu-lhe a mão e seguiram adentro de Tempo, a gavinha enredada no tornozelo de Benedita.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

no silêncio ausente

às vezes é nada, mesmo nada. um silêncio ausente de sons e de imagens.

espreitou o espaço para lá da arcada em pedra. o caminho era estreito e sinuoso por entre dois pedregulhos sólidos. a luz rareava no entrelaçado das copas do arvoredo que sombreavam a cor do dia. o ar escaldava os movimentos e não havia chilreios, nem um!
decidiu cruzar a arcada. a luz cegou-a e envolveu-a o som do silêncio, aquele eco escuro que o ouvido vê ao ouvir. No topo da encosta de um vale profundo cercado de serranias, sem som sem imagem, a eternidade. ficou lá, no silêncio ausente.
passou-lhe uma aragem na pele e galgou dos caminhos do interior.  Poisou-lhe mesmo nos pés o pássaro grande que atravessara o horizonte. Chamou-se Ugardila  porque o pensou.
Então acordou da eternidade.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

a dança do canto


surpreendia-se sempre com o silêncio diferente de todas as madrugadas, como se o som do silêncio corresse em diferentes regatos e ficasse suspenso precisamente antes de saltitar no cascalho seguinte. nesse instante a manhã deslumbrava-se em rosa dourado e aquecia em doces trinados de melros.
-fica...
- vem...
Assim o canto dançava na copa das árvores...
roçou-lhe o joelho pelos recantos das coxas, os dedos perdidos no cabelo sedoso, o corpo cativo daquele calor de aconchego que a manhã em murmúrio queria quebrar... "parte, o sol vai alto".
-Vem, disse-lhe.
- Fica, murmurou...
o silêncio saltitou no cascalho seguinte.
- Volto, e sorriu.
O sol rompeu portadas dentro, louco em trinados de pássaros. Ela adormeceu.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

sonho

adormeceu no acordar da madrugada.
sacudiu os braços e deixou que as gotas deslizassem, pequeninas, sedosas e escorregadias. a água brincava aos rios de prata sobre a sua pele, sulcava brilhos e o sol perdia-se em pérolas no seu ventre.
desejou-lhe o corpo, quente e seco, perdido no seu.
abriu a nuvem solta e a borboleta esvoaçou, pousou-lhe no ombro fresco, sacudiu as asas do cansaço e adormeceu.
acordou antes da alba. enroscou-se-lhe no peito e quis voltar ao sonho.