quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

a página em que me amas

estou na página em que me amas.
é numa manhã cinzenta e fria e é por isso que me amas. a chuva cai certa e soa à música que faz o meu corpo embalar-se no teu.  Desenho carícias no teu peito do tamanho do som da chuva sobre a terra. E é por isso que me amas, até ao fim da página.
um vento soltou as folhas e o sol entrou pela janela aberta. Na outra página ainda não nos tínhamos encontrado.
Folheei o livro. A chuva caía lá fora numa manhã cinzenta e fria.
Tão intensa como o som das gotas de água, estou na página em que me amas.

adormecer

adormecer, somente adormecer! é essa a saudade eterna de me guardares no peito, de te guardar no peito.


terça-feira, 14 de janeiro de 2014

com cheiro a alecrim


Caiu-lhe do olhar um sorriso com cheiro a alecrim.
quis o sol da manhã, porque o sol da manhã era quente e grande. Entrava pelas vidraças sem pedir licença, feria até o olhar. E era de manhã que o olhava, que os dedos se soltavam em carícias sem pudor.
- Meu amor! E o sol varreu todos os cantos.
 entraram flores dos campos em redor, cantos de pássaros, murmúrios de regatos e o cheiro a alecrim.

sábado, 11 de janeiro de 2014

navegaram

navegaram.
a barcaça rangendo a madeira húmida a cada remada, sulcava a lagoa sem pressa de nada
ela entre os braços dele, tão amada.
a barcaça rangendo ao sabor dos corpos que se amavam,
navegaram.
desaguaram nas ondas do mar, a barcaça adejando à luz do luar,
ele entre os braços dela, tanto amando
navegaram
fundearam os corpos nas terras de além,  a barcaça ancorada no azul da baia
tanto amando, tão amado
levantaram amarras e navegaram.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

o dia depois

Zi levava-a para amanhã. Pelo caminho, pousada no redondo branquinho do seu ombro, tinha-lhe contado a história do dia depois. Em Tempo não havia dia depois, só havia a seguir, como os passos a caminhar um sempre a seguir ao outro. Lia, a princesa, já conhecia como era a seguir mas não sabia como era depois. Zi explicou-lhe então que para saber o depois tinham que subir a montanha e encontrariam o amanhã. Foi quando lhe poisou no ombro, para a viagem ser mais leve, e puseram pés e asas a caminho por Tempo fora.
No cimo do povo das pessoas tristes, elevava-se a frágua. Lá, no cimo, era depois. subiram o trilho dos ninhos das águias, um a seguir a outro, até ao topo, ao ninho de Ugardila.
Lia abriu os olhos de espanto. Para além, nunca mais acabava, enchia-se de colinas, vales, regatos e muitas cores até onde não se via mais.
- boboleta Zi, como é depois?
- Depois, é quando escolheres, minha princesa, a viagem que queres seguir.
- a Lia  "gotava" mais sem depois...
- Então ficamos aqui princesa, ou voltamos atrás....retorquiu Zi
- depois, Zi, "queeo" depois. como é depois? conta, conta a mim Zi.
- Sabes Lia, depois é....é...e, após um silêncio maior contou: - é que depois surgiu uma luz no céu e desceram até ao regato no fundo do vale. As águias bateram as asas e fizeram dançar o vento. Tempo agitou-se, e tu, princesa, ias no caminho do amanhã.
Lia beteu palmas, pousou Zi no seu indicador e esfregou-lhe o nariz nas asas. Apontou para o horizonte por sobre uma vereda no topo da colina e disse: - Por ali, Zi, "queeo" ir por ali.
Rompeu no além um bocadinho de Sol, depois....Tempo estremeceu.

Sabe-me

sabe-me.
azeda-me o corpo quando não me tocas. enche-se de penumbra, um lusco fusco de humidade que atravessa a ventana da porta. prefiro-te lá fora, na manhã cinzenta de névoa, quando o vento sopra no meu rosto a cor da romã e os meus lábios gelam o sabor das amoras. 
atravesso o cais e encosto-me à árvore grande. a ribeira corre forte e a névoa embriaga-se-lhe no leito. escorrego o corpo no tronco rugoso, e fecho os olhos no instante do afago da neblina. os teus dedos tocam-me.
- Sabe-me. Sussurro.
adoças-me o corpo quando me tocas. enche-se de luz, um brilho forte que cruza as névoas  das manhãs plácidas. prefiro-te lá fora...
Sabe-me.