quarta-feira, 25 de março de 2015

fugaz

..... esqueceu o olhar.
encontrou a flor parada, tão bela. Não tinha destino.
....esqueceu o olhar no tempo
seguiu na berma da estrada. a flor no seu encalce, tão bela.
...esqueceu que tinha tempo de olhar.
parou no topo da colina. fugaz o tempo da flor, tão belo.
...esqueceu-se no tempo da flor
...fugaz
...tão belo

acordou no olhar que nela se esqueceu

domingo, 22 de março de 2015

de mansinho

tocou-lhe a boca de mansinho, como se fosse sempre e o mundo acabasse ali. adornou-lhe os rosto com as mãos e a língua viajou-lhe doce pelos lábios. Foi quando o tempo parou. apenas a boca dele na sua, lábios secos que os beijos saciavam e queria os olhos dele nos seus poisados. Ofegantes, olhavam-se de espanto ardente.
- beija-me assim, devagarinho...
E ela beijou-o, tocou-lhe os lábios de mansinho como se fosse sempre...e o mundo acabou ali.

sexta-feira, 20 de março de 2015

não era para ser já

era uma vez o meu pai!
queria que fosse como era uma vez, uma história de encantar que eu pudesse contar...
era uma vez..?
ah! centenas e centenas e milhares de era uma vez.
uma vez pescou-me do lago dos cisnes...tinha a fatiota domingueira, saia de pregas branca e casaquinho de malha rosa, contava ele, e na passeata habitual antes da missa que incluía dar pão aos cisnes, zás! caí no lago...
Ah! milhares de milhões de era uma vez.
- Sabes Lia, um dia não cheguei a tempo de ele me tirar do lago e o universo ficou pequenino. ele pôs-me a Terra na mão, uma bola redonda achatada nos pólos, sorriu para mim e disse-me: não era para ser já mas decidi dar-te o mundo em vez da lua.
- O vôvô ve`inho, vó?
- Sim princesa. fez-se depois noite escura, as estrelas não chegavam para me alumiarem e eu tinha o planeta fechado na minha mão. Creio até que o mar deixou de ser azul....
- ainda não fomos à p`aia, vó - disse Lia, lavantando os ombritos e inclinando o rosto com o seu olhar grande e interrogativo
- pois não Lia, mas depois vamos. um dia, quando tu nasceste, abri a mão e o  mundo voou no universo grande. o meu pai colou no céu a lua e agora o mar já é azul...
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- Contas mais amanhã, `vó?
- conto, Lia.
era um universo de era uma vez...

terça-feira, 17 de março de 2015

papoilas

quando te olho....quando me olhas
tocas-me a mão e largamos estrada fora
deitas-te comigo entre tufos de papoilas
segredas-me pedacinhos de pérolas e
despes-me a alma.

quando te toco...quando me tocas
estremeces-me.
largamos o mundo e voamos, eu e tu.
encostas o teu mundo no meu colo
e no teu cabelo crescem papoilas

quando voltamos...
tocas-me e como me olhas!
em mim brotam papoilas


segunda-feira, 16 de março de 2015

quando

quando eu for velha, assim mais velha,
quero cheirar a rosmaninho
e ter um corpete de linho.


domingo, 15 de março de 2015

o fio do tempo


corria um vento brando, tão brando como o teu corpo à procura de mim.
encontraste-me no fio do tempo.
os teus dedos afloraram a minha pele, correram em brisa leve todo o meu rosto, tocaram-me a nuca e os seios.
dancei o meu corpo no teu. acordaste o teu corpo no meu.
perdi-te no fio do tempo.
corre uma brisa tão leve, tão leve. é o meu corpo à procura do teu.

terça-feira, 10 de março de 2015

para lá do cortinado vermelho

gosta-se das igrejas quando se convive com elas.
estava um dia médiamente quente. médiamente porque ainda não era Inverno mas também não era Verão. Faltava também o cheiro da Primavera e as folhas de Outuno.
Sabia Benedita que era dia de brincar ao dá-me lume. Juntavam-se lá, no terreiro da igreja, saítas plissadas e meias desmanchadas sobre os tornozelos, fixando nos cantos a casa de cada uma e ao centro a que procurava ocupar a vaga que alguma, por descuido ou lassidão, deixava a tempo de ser ocupada enquanto demandava por lenha para o seu lume.
quis esse dia que a porta da igreja a cativasse para o que lá dentro se passava.
Benedita era uma assídua frequentadora da nave. deslumbrava-se com as descobertas feitas fora das horas da missa. a igreja era sua! rodopiava por uma espécie de balustrada que circundava todo o interior e que a aproximava dos altares menores onde estava Cristo com a cruz ou Nossa Senhora das Dores com Jesus feito Homem, morto no seu regaço. Por vezes passavam de joelhos as senhoras das promessas, que davam várias voltas à balustrada, parando em cada altar para dar voz ao mistério. Nessas horas os grandes candelabros não tinham luz, a igreja iluminava-se com o bruxulear das velas acesas em todos os altares e com o silêncio que o sussurro das orações projectava na alta abóbada. Benedita gostava daquele escuro assim iluminado, descansava-lhe o olhar.
não devia entrar, assim lhe poibira a mãe para os dias em que apenas a porta pequena  se abria mas por a cativar, assim entrou. hesitou em sair do cone de luz da rua que se esgueirava pelo cortinado de veludo vermelho para entrar na sombra iluminada pelas velas, porque a mãe bem lhe prometera o puxão de orelhas se a soubesse nessas andanças. Hesitou e deu um passo. ficou timidamente distante dos sons que perpassavam o silêncio frio da igreja.
Lá fora não era nem Inverno, nem Primavera. Nem o Sol arrasava de calor, nem os frutos de Outono se colhiam. Estava um dia cinzento, médiamente cinzento como o enterro que soltava soluços e suspiros dentro da igreja,
Benedita gostava daquela igreja, gostava mais até dos dias dos casamentos ou das idas ao lado de lá das grades do convento. mas nestes dias, dias médiamente, animava-a o poder escapar ao puxão de orelhas que a mãe prometia.

segunda-feira, 9 de março de 2015

cio

a casa estava preenchida de sons domésticos.
quando olhou parou a conversa.
sabia que  podia retomar o diálogo, porque era com o silêncio que falava. desenhou um sorriso magro nos lábios, encostou-se à parede e deixou que a gata lhe roçasse as pernas. sentiu-lhe o toque erótico e nervoso.
os dias do cio preencheram a casa.

a viagem

no fim da madrugada caminhamos na procura.

Que boito é ouvir amanhecer!
pássaro um - gosto de voar no espaço.
pássaro dois - a espuma do mar é ainda melhor

    ranfb isand noar is u inase
    urlxf uosr ira so

um dia vou escolher o nada como tudo
em oposição à invida

ah! como gosto dos libertinos.

(1980)

olá montanha!


quando o tempo acaba e o sonho começa
inventamos o agora, escrevemos a loucura
acontecemos no Sol
criando, criando  vida

olá montanha! Gosto de ti
gosto do teu cheiro verde, dos teus risos-rios
cristalinos
gosto dos teus ventos brisas
de me perder no teu encanto

perder-me no teu corpo
ensaiando todos os passos da minha ternura
percorrer-te na viagem da loucura
ter o teu ombro meigo
os teus beijos ondas
dizer-te:
- bom dia meu amor!
e nunca mais te perder

(1980)