domingo, 30 de setembro de 2012

e na areia amo


ali, onde me deleito, naquele berço de águas verdes
em voluptuosa dança com as ondas do mar
a desejar que o desejo se prolongue

(e a brisa sopra-me carícias de maresia)


renasço, em pele doce de menina
e na areia amo e na água embarco
e na brisa chego ao teu peito largo

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Balbuína de Cuzcar

Balbuína vivia na terra onde todos, mesmo todos os lugares eram sagrados e alguns tornavam-se míticos.
Adorava a coscuvilhice. cerzir ditos e mexericos em belas mantas de retalhos que vendia à soleira da porta. Era sabido que quem se acachava com as suas mantas era feliz. Parece que as mesmas no silêncio das noites ecoavam em murmúrios de histórias que faziam sorrir.
Iam pois, por ali muito, as pessoas tristes e muito tristes e muito muito tristes.
Contavam-lhe histórias, e assim lhe pagavam as mantas. E ela, Balbuína Cigarra, logo fazia novelos de ditos e mexericos para cerzir as sua mantas.
Havia apenas uma condição. as pessoas tristes tinham que saber uma história feliz.
Basil abanou a cabeça, e encolheu os ombros. Não sabia se sabia alguma história feliz, talvez até soubesse, mas que raio! - pensou - agora tinha um pensamento.
A sombra oscilou.
Cuzcar, pensou Basil, é este o caminho até Cuzcar, a terra onde até alguns lugares se tornavam míticos. E sentiu Tempo.
Ugardila aguçou o olhar. Em Tempo as sombras tinham tremido. era o momento de transportar Lia.

domingo, 23 de setembro de 2012

rumo aos sonhos

não era de lugar algum.
Pertencia a lugares onde atracava na memória.
vagueava por cais de cheiros de maresia iluminados por sombras
ecoava passos secos por entre caixas empilhadas em docas enevoadas
e da memória desatracava, rumo aos sonhos
era de todos os lugares


sábado, 22 de setembro de 2012

olha-me, guarda-me

olha-me como se me olhasses pela primeira vez,
guarda-me os brilhos e as cores que eu quero sempre em ti, de mim.
Intemporais.
olha-me com o olhar onde baila uma nascente
guarda-me o corpo húmido e lânguido em ti, de mim.
eterno.
olha-me, guarda-me
e assim me solto em danças dentro de mim...

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

às vezes dói, na saudade!

às vezes a saudade doía-lhe.
É, a saudade quando é saudade parece que tem uma dor, a dor de nunca mais encontrar, de nunca mais tocar, de nunca mais sorrir o olhar. Esta saudade é uma saudade tão grande que não pode existir. Por isso quando a saudade lhe doía, Benedita brincava com um elástico nas mãos. Aí a saudade ia e vinha e Benedita quase que tocava, quase que encontrava...por isso sorria...aquele sorriso que a saudade lhe transpirava no rosto e no olhar.
às vezes, então, a saudade sorria-lhe porque a fazia tocar, porque a fazia encontrar quando lhe doía de saudade a ponta do coração

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

...num segredo de frutos maduros...

no fim do verão está um segredo.
parece-se com o fim do arco-irís e tem o cheiro do sol nas ervas amareladas e secas que povoam as terras.
no fim do verão está um calor quente que humedece a pele e lhe cola a poeira da terra do fim das colheitas.
no fim do verão caem aquelas gotas grossas de chuva que penetram o solo e o soltam em orgasmos de cheiros.
no fim do verão há intensos vermelhos no azul do céu de todos os ocasos que invadem bagos e frutos de sabores astrais.
no fim do verão quero que percorras a minha pele com pincéis de feno, algures deitados na pedra quente de uma eira onde se malhou o trigo
no fim do verão a noite quente inebria-se de estrelas cadentes pedacinhos do universo a semearem-se na terra-mãe
no fim do verão há uma bênção de terna loucura nas colheitas, há cânticos a magas deusas das terras e danças de gratidão
no fim do verão não quero o fim do verão. quero um eterno fim de verão onde me encontro contigo sobre a eira, na ponta do arco íris, e tu me envolves num segredo de frutos maduros antes de viajarmos por entre as estrelas cadentes...
no fim do verão quero-nos, sem fim.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

o primeiro pecado

vestiu-se de Eva, sem roupa. Quis aprender o primeiro...
Na sombra da macieira o doce acre da maçã cingiu-lhe o corpo. Quando ele chegou mordeu-lhe o corpo, sorveu-lhe a seiva. Vestida de Eva enroscou-se-lhe no corpo e desejou-se nele, eterna de sabores. Prendeu-a na garganta, ele, e chamou-se de Adão.
Envolveram-se num eterno abraço. ao lado as parras escondiam bagos que deixaram deslizar pelos corpos em doces sumos.
Deslizaram pela suave colina e deixaram a sombra da macieira.
À luz do Sol deslumbraram-se com o primeiro pecado!
O paraíso aprenderam-no sob a macieira...

sábado, 15 de setembro de 2012

rua acima, rua abaixo

era Verão e a noite era quente, Benedita aguardava a hora de sair, de mão dada, com os pais, rua acima até à praça da vila, onde a gaiatada já estaria a brincar, e no café se olhava um pouco da mágica televisão. Costumava sentar-se, muito bem comportada, nas escadas de dentro da casa. Cotovelos sobre os joelhos, rosto apoiado  nas mãos, balançava o corpo como se cantarolasse uma musiqueta. Mal ouvia os passos dos pais na descida da larga escadaria, punha-se de pé num ápice, olhito a brilhar de satisfação e chegava-se, bem, bem até à porta. Naquele dia não a levaram, porque já era tarde, dizia a mãe, porque tinha que ir descansar, dizia o pai, porque as outras crianças também ficavam em casa, diziam os dois....debulhou-se em lágrimas mas nada, nadica de nada  os demoveu!  Não ir estava fora de questão...era só preciso esperar o momento certo e esgueirar-se à empregada.  Decidiu-se pela janela, para observar o momento mais oportuno de sair de casa. Esbogalhou o olhar!!! Era mesmo ela, a Quiquas...que raiva! e era mais nova ainda que ela! grandes mentirosos os pais a dizer que não havia meninas na rua, que raiva! E logo a Quicas, que nunca saía.
 Bom, agora era mesmo preciso sair e o melhor alibi para não apanhar uma tareia era levar o mano, isso mesmo! Sair de casa obrigou a uma luta cerrada com a empregada. Foi preciso uma biqueirada e uma ameaça de mordidela para conseguir abrir a porta e com o Lelo seguir, rua acima...
Estava aquele lusco-fusco chegado ao lado mais escuro do fim de dia, mas chegava para os deixar subir à Praça sem grande medo das sombras que as luzes dos candeeiros aumentavam nos arbustos e muros atrás das suas luzes. E seguiram mão dada, rua acima. Benedita temia uma sova de chinelo e mais ainda que a agarrassem por uma orelha  e assim a levassem até casa...que humilhação.
Pois até que era verdade, não havia quase gaiatos na rua...O café estava cheio. lá dentro até parecia que estava um mar de dolente cadência e estranhamente quente. Espreitou a janela, rapidamente, para não ser vista. Lá estava a mãe numa mesa a beber café e a ver televisão, do pai nem sinal...talvez no clube.
Lelo estava a ficar maçador, não lhe apetecia estar na rua, e parecia estar já com sono.  Não foi difícil chegar ao salão, mas foi demorado passar a porta sem o pai dar conta e acoitar-se sob a mesa de bilhar. Depois foi mesmo só brincar de escondidas para o pai os descobrir. E foi como ela pensara. Com o Lelo já cansadito o pai lá os deixou ficar nos sofás a ver televisão enquanto terminava a sua bilharada.
Ganho o pai, Benedita aliviou.se da ideia da chinelada da mãe, mas um castigo era bem capaz de acontecer, pensava. Lelo já dormitava no ombro do pai quando entraram no café, A mãe fez aquele olhar que a levou  a encolher a cabeça bem dentro dos ombros, mas depois sorriu e Benedita iluminou-se, saltou-lhe para o colo encharcou-a de beijos e mil desculpas e prometeu mil vezes que nunca mais fazia igual. Na televisão acabava "O Santo", era hora de chegar a casa.
Rua abaixo, no passeio dos canteiros das borboletas, com os candeeiros a bruxulearem, Benedita saltitava, mãos dadas ao pai e à mãe...tinha ganho à Quicas e adorava os pais.
Bom, faltava ainda a queixa da empregada, mas amanhá era outro dia. E Benedita sorria

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

"nasceu Tempo"

era uma vez um planeta  ( e como gosto de "era uma vez") que dormia aconchegado . No meio do planeta estava um Sol, muito pequenino, que não sabia que era o Sol.
Um dia, que não se sabe se era dia ou a eternidade, levantou-se um vento, do tamanho dos ventos do deserto do Universo, que decidiu passear-se pelo planeta.
estranhamente o vento sentia-se quente quando passava pelo meio do planeta. mas era tal a sua pressa que nem dava por conta de uma bola de um belo tom amare.lo dourado, às vezes de um vermelho tórrido ou de um fulgido e lacónico rosa.
na sua corrida o vento acariciava o planeta e ia-lhe desenhando vales e planícies, profundezas agrestes e cumes sem fim...a olho nu, da atmosfera, o planeta ia ficando...planeta!
Um dia, que não sabemos se era dia, o Sol quis ser grande, tão grande como o Universo (que ele não sabia o que era) e então ocupou as Eras, que o vento lhe tinha apresentado. Com as Eras o vento ficou permanentemente quente e o Sol aqueceu sem contenção. O planeta acreditou que tinha chegado o dia de ser dia e passeou-se lânguidamente pelo Sol (o tal ponto quente no meio do planeta).
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Nasceu Tempo, o país de Tempo.