terça-feira, 29 de março de 2011

À procura dos cheiros

Para além do odor, da fragrância e do fedor está o cheiro. É real, é intenso, é avassalador. Percorre os universos de sexualidade e promiscuidade. É o mundo dos interditos, do que não devia existir, mas é o cheiro! Faz fremir as narinas, agita o corpo numa procura ou fuga insana e faz vibrar a vida.
Os cheiros fazem parte do meu território, da minha ruralidade e cidadania e ainda hoje persigo cheiros que me transportam a pontes da minha história.
Talvez por isso me apeteça contar pequenas histórias de cheiros:
O cheiro da palha, quente, húmido e adocicado.
O cheiro do estrume na terra, ácido, quente e seco.
O cheiro...

domingo, 20 de março de 2011

Os pais são (quase) sempre grandes

O meu pai foi sempre grande. Tão grande que ao pé dele eu sabia estar segura, tão grande que ao pé dele a aventura acontecia, nem que fosse na imaginação, tão grande que a sua fé, inabalável, compunha a que me ia faltando. Era assim o meu pai, via belos corcéis nas nuvens que preenchiam o azul do céu; escrevia poesias sem nome e compunha pequenas musiquetas (a que chamava canções: op, pedrinha, op...). Tinha um castelo imaginário, onde fazia arranjos intermináveis de objectos que já não tinham grande arranjo e, das peças que sobravam e de outras que "encontrava", inventava estranhas "invenções" para facilitar algumas tarefas, dizia ele. E tocava, tocava gaita de beiços, apenas quando lhe apetecia e, por norma, ao fim do dia.
O meu pai era tão grande que nem na adolescência, quando lhe dizia que estava mais alta do que ele, achei que, alguma vez, fosse baixo...Como era grande o meu pai.
O meu pai cabia na palma da minha mão, por ser pequenino e tão doce e por isso tão, mas tão grande que o meu coração permanece imenso do carinho, da doçura, da ternura do seu estar.

terça-feira, 1 de março de 2011

O espelho

Conversei com ela, a que está do lado de lá do espelho. Às vezes é difícil encontrá-la, porque o reflexo incomoda e leva-me a navegar no mar de rídulas que circunda o meu olhar. Nesses momentos, ela foge, escapa para o lado de lá e sorri-me, fugidia, por tão etérea...
O espelho é, nela, o momento fugidio da alma em que me desencontro do meu ser e espero ver-me bela!