segunda-feira, 17 de março de 2014

cantigas de amor


oh meu deleite, meu delicioso amado
cuidei que eram flores, meus lábios no prado
meu deleite! meu amado!
cuidai amado que são meus os ais dos teus afagos.
meu amado, meu deleite
vai a alba solta e dormes cálido no meu peito.
lá no prado, meu amado
floresceram os meus lábios nos teus beijos
meu deleite, meu segredo
cuidei amado, que eram meus os olhares teus
nos afagos, delicioso amado
que os meus ais gemeram lá no prado, no meu leito...
cuidai amado do meu deleite!


sábado, 15 de março de 2014

na eternidade

confiava no esquecimento. Por isso todos os dias eram primeiros.
um dia  esqueceu-se de si, adormecida  na eternidade que era a estrada do esquecimento. Tinha deixado o calor dos lábios  no dia que era o do primeiro beijo. mas confiava no esquecimento para se apaixonar.
Havia uma estrada que chegava de lado nenhum. Tocou-lhe com a ponta dos dedos, no primeiro beijo na estrada de lado nenhum. esmagou-lhe os lábios, devorou-lhe o calor da boca e caminhou para a eternidade.
"Ai...", como suspirou, esquecida de si, adormecida na eternidade. Sentiu-lhe o calor dos lábios no dia que era o do primeiro beijo porque confiava no esquecimento e lá, estavam todos os beijos que eram primeiros.  Sorriu à paixão.
Encontrou-a, amou-a, esqueceu-se com ela na eternidade.

domingo, 9 de março de 2014

quando as cerejeiras nascem na barriga

tinham as pernas soltas para lá do gradeamento da varanda, rabito sentado no chão e a cara bem encostada no varandim para espreitar por entre as barras. Benedita invejava-lhes os cabelos longos que os seus, só quando os soubesse cuidar, dizia a mãe. Mas naquele dia de sol quente até que ficava contente com os seus curtos cabelos. Sorrisos para lá, segredos para cá ficou acertado o desafio da tarde, das três ganhava a que mais caroços engolisse.
Por entre elas as cestitas carregadas de cerejas ainda agarradas nos galhos de folhas verdes, enchiam a tarde de vermelho e de temor. É que naquele tempo Benedita acreditava que as cerejeiras podiam crescer-lhe no estômago, e as amigas partilhavam da mesma crença. Coisas das conversas das mães! Mas primeiro, primeiro, havia que embelezar o rosto pelo que, gaiteiras, escolheram os melhores conjuntos para se abonecarem com os brincos de cereja.
Ouviam o correr da bica de água das traseiras, onde tinham refrescado as cerejas, porque se as comessem quentes havia sérios riscos de uma valente dor de barriga. E a ameaça das cerejeiras com a dor de barriga não era lá muito agradável.
Acordaram que antes de os engolirem treinariam o lançamento com a boca para ver qual chegava mais longe e assim o foram fazendo entre risos desmedidos e numa valente galhofa até que Carmita, desprevenida, engoliu um caroço. Foi então que se concentraram na tarefa e os rostos ficaram sérios. É verdade que já todas os tinham engolido, naquele descuido de manter o caroço da última cereja na boca, num corre para lá e para cá, por ser tão macio, e de repente lá se escapava pela glote....mas era só um, sem intenção. Naquele momento era uma rebelião contra o fado das mães, por isso tão perturbador.
Calhou-lhe ser a segunda. Não foi fácil engolir de propósito, com os olhos da Carmita e da Lucha sobre si, mas logo que lhe escorregou para o estômago abriu um sorriso e disse: - Não custou nada! e abanicou os brincos de cereja. Dexaram de se olhar depois de todas terem engolido o primeiro caroço com propósito. No meio das conversas e de alguns caroços que ainda lançavam à distância de quando em vez uma dizia "engoli outro" e lançavam-se as três numa galhofa agonizada que o peso do crescimento da cerejeira estava bem presente.
Dos seus, sabia serem sete que tinha engolido, perdera a conta aos das amigas, mas o que tinha que cuidar era do seu problema e estava apreensiva sobre o dia seguinte. Foi por isso cabisbaixa até casa, deixando Carmita pelo caminho e receosa, só a ameaças da mãe, comeu o jantar porque lhe parecia já a barriga estar a inchar.
Passou a noite "com cara de caso" resmungava a mãe, mas o caso não era para menos e a barriga começava a senti-la apertada. Foi quando disse à mãe que se calhar ia explodir porque tinha as árvores a crescer na barriga. Não explodiu a barriga mas quase que explodiu a mãe, que lhe deu um valente raspanete, pior do que algumas chineladas de outras marotices. Garantiu-lhe no entanto que as árvores não cresceriam, mas que era preciso orar com fervor ao bom anjo da guarda.

naquele tempo Benedita acreditava que as cerejeiras podiam crescer-lhe no estômago. Era conversa da mãe que se engolisse os caroços lhe nasceriam cerejeiras na barriga. Por isso todas as noites pedia ao seu anjo da guarda para não lhe cresceram as sete cerejeiras dos caroços que engolira com propósito, nem dos que viesse a engolir por acaso.
Um dia, numa das travessias perdeu o anjo pelo que às vezes nascem-lhe cerejeiras na barriga. É, a mãe bem o sabia...

sábado, 8 de março de 2014

e ainda assim desejo

estou à tua espera,
balanço as ancas e embrulho-me em ti, contigo em mim.
Estou à tua espera no topo dos montes onde o vento seco me afaga as fontes.
e embrulho-me em ti, contigo em mim lá no leito verde dos campos de feno.
o Sol espreitou-nos deitados na lua e à noite acordamos os corpos na rua.
balanças as ancas e embrulhas-te em mim. Comigo, em ti.
desejo, não sei se desejo e ainda assim desejo
Estou à tua espera e estás sempre em mim.

segunda-feira, 3 de março de 2014

em trinta sóis

sabes este corpo meu, em trinta sois e luas percorrido?
não sei o que tem o tamanho do vento
mas  se me olhares
sabes? este corpo meu...
e encostas-te em mim, soltas-me o cabelo  no rosto,
e em trinta sóis e luas navegas comigo.
não sei o que tem o tamanho do vento...