sexta-feira, 31 de maio de 2013

o sagrado

o coração saltou-me do peito, desastrado, enrubesceu-me as faces e as palavras colaram-se na garganta. Engoli em seco, tremi da cabeça aos pés e humedeci os lábios. As tuas mãos seguraram-me o rosto e a tua boca aproximou-se da minha. o tempo tornou-se espaço e o meu corpo deixou a existência. o mundo era a tua boca sobre a minha. sempre sobre a minha, entre o romance e o drama.
e queria-te a esmagar-me os lábios como pluma, tua na eternidade do teu beijo, sem tempo, só espaço onde a minha boca preenchia a tua.
olhei-te no brilho doce do teu olhar e tocou-me a alma o sagrado.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

tempo de aurora

agarrou no sol caído sobre o empedrado da rua. pendurou-o na ponta da cor azul, aquela que fazia uma dobra sobre a ombreira da porta. devagarinho a luz foi crescendo do meio do sol para o meio da rua. as sombras agitaram-se nas laterais e foram sendo empurradas para os cantos.
Tomou-lhe as mãos e sentou-se com ela na soleira da porta. O sol subia no azul que lhes pintava as fronteiras. Contou-lhe um conto: "- que ela viria quando as cores gemessem no arco-íris".  e limpou-lhe com os dedos a lágrima roliça que lhe saltara do olhar.
Balbuína encostou-se-lhe no ombro e decidiu ser ouvidora de histórias. Saberia assim da vinda da princesa. Por enquanto ia-lhe tecer a manta dos sonhos. É que Tempo precisava do Sol pendurado no gancho eterno.
Basil acariciou-lhe o rosto, sussurrou-lhe "quero-te" e Balbuína sorriu.
xxxxxxxxx
Zi bateu as asas e salpicou Lia de pó de borboleta. A pequenina princesa agitou os braços numa dança louca e gargalhou o ar.
nasceu o tempo da aurora.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

...agora

 ...... agora leva-me até ao sul, sempre até ao sul onde os ventos correm quentes.
é que aqui o vento norte arrefece-me o corpo.
e eu quero abraçar-te o corpo húmido que me devora e secar-te a sede por donde me sorves.

....agora leva-me no galope que me percorre o olhar quando o sabor do vento se enlaça na erva seca.
é que aqui o vento norte arrefece-me o corpo
e eu quero afagar-te por onde cavalgamos, enroscar-me no dorso quente e suado do fim da viagem.

....agora leva-me a achar o sol que me sorri do topo da grande tília onde os ventos correm ledos.
é que aqui o vento norte arrefece-me o corpo.
e eu quero dançar-te na alma, voar na viagem do teu olhar e ficar na barca em que navegamos

...agora

leva-me aos ventos quentes e aquece-me o corpo

quarta-feira, 15 de maio de 2013

sopro


pintaram-se no azul da paisagem
e das cores dos pincéis escorregaram
depois num sopro se fundiram
descolaram dos corpos, as pinturas
e no peito um do outro se impregnaram.

Ele


pintou-o na paisagem.
soprou-lhe e ele, ele escorregou do pincel
depois fingiu que ela era a paisagem
descolou-a do corpo, à pintura
e ficou com ele pintado no seu peito.

Ela


pintou-a na paisagem.
soprou-lhe e ela, ela escorregou do pincel
depois fingiu que ele era a paisagem
descolou-a do corpo, à pintura
e ficou com ela pintada no seu peito.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

o véu: do sagrado e do profano

o véu era rendilhado, matizado em diáfano preto carregado de flores douradas. envolvia-a de mistérios, assim o colocava sobre os cabelos e passava a porta da igreja. cheirava por isso a sagrado e a profano porque pleno de equívocos (aquelas sombras de luz que a nave projectava e o altar reflectia em mirabolante epifania).
Benedita adorava ficar à beira da mãe no banco corrido da nave. olhava-a de esguelha e via-a princesasanta, devota na oração, épica nos cânticos ao Senhor. envolta na luz de sombras apagava o mundo à volta e por momentos eram só elas, Benedita e sua mãe, e as sombras profanas raiadas da sacrossanta luz do altar.
Ai! que lhe lampejava o olho pela cobiça da mantilha da mãe. queria-a só por um bocadinho, um poucochinho de tempo e embeber-se naqueles mistérios da luz e sombra, ser princesa e santa, ser mulher menina. A mãe achava que era a mantilha de tule branco, com um rendilhado de bolinhas a que lhe ficava bem, porque era menina e às meninas ficava bem a alvura da inocência.
Um dia os padres disseram que já não era preciso ter os cabelos cobertos pelos véus e a mãe começou a deixar a mantilha em casa. a luz de sombras da igreja mudou, os mistérios esconderam-se atrás das colunas e do altar dourado.os cabelos desnudos da mãe pareciam-lhe um pecado porque então podia desejar a sério o véu dos mistérios.
Curiosamente a mãe emprestou-lhe o véu para ela brincar, quando um dia o descobriu no fundo de uma gaveta e o colocou sobre a cabeça. Ainda tinha o peso dos equívocos mas faltava-lhe a leveza dos mistérios. emocionada, aplicava a mantilha bem ajustada sobre os cabelitos curtos e com a mão atirava uma melena de véu para o alto. E assim errou, em brincadeiras de meninice com a convicção de ter um longo e belo cabelo.
O véu voltou ao fundo de uma gaveta, permanece-lhe o cheiro do sagrado e do profano, e os equívocos de sombra e luz.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

beijou-a sem a beijar


olhou o baloiçar do trevo no campo. a flor roxa seduzia-lhe o olhar. queria roçá-la por entre os seios, passeá-la na dobra do joelho, deixá-la adormecer sobre a sua orelha.
Envolveu os cheiros seus nos da flor de trevo roxo.
Ele colheu-a, beijou-a sem a beijar. Ao de leve poisou-a nos seus lábios, a flor, e ela surgiu a baloiçar por entre o trevo.
Tomou-a sem a tomar, quando se alijou no campo e a envolveu, flor de trevo roxo, nos cheiros seus.
olhou o baloiçar do trevo no campo, beijou-o sem o beijar, tomou-o sem o tomar.
vestiu-se de flor de trevo roxo e deixou-se amar, por entre os seios, por sobre o dorso por todo o corpo.
deu-lhe a mão, levantou-a do trevo, sacudiu-lhe as flores roxas do cabelo e beijou-a sem a beijar...