terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

a imensa fé (ou o pecado da hóstia)

as madres explicavam bem: havia um círculo sagrado, onde Jesus se iria acolher, a hóstia. Era ali que as faziam, centenas e centenas de hóstias com a marca do Senhor. Guardavam-nas em cálices prateados, de ouro forrados que o senhor Abade haveria de consagrar.
distribuíam nesse dia as aparas de hóstias e as que não estavam boas para serem consagradas. Dizia a madre superiora que era pecado deitar fora os pedacinhos que sobravam ou que não serviam para o corpo de Cristo. Era por isso um dia mágico para Benedita.
Benedita adorava a hóstia. Não tinha a certeza de sentir em si o Espírito Santo mas sabia que salivava com especial cuidado aquele pedacinho de "pão" para não magoar o Senhor e ficar em paz com Deus. Aquele bocadinho de tempo da missa, em que apoiava a testa nas mãos e de joelhos engolia a hóstia, era delicioso mas curto, porque a verdade é que só se podia comungar uma vez.....
Por isso e apesar da sua inicial apreensão e até alguma incredulidade,  esperava sempre com ansiedade o dia em que podia ser presenteada com as aparas das hóstias. De princípio cuidou que poderia magoar o Jesus por mastigar aqueles pedacinhos e receou também que apesar de tudo, o corpo de Deus de alguma misteriosa forma pudesse ter por lá ficado.
Foi quando o pai lhe ensinou a transmutação e a fé e lhe disse de forma tranquila e sábia "Benedita as aparas são apenas pedacinhos de farinha e água cozinhados. Não há qualquer mal em as mastigares. O Senhor só está na hóstia consagrada, e só na comunhão o Senhor nos ilumina a alma."
Benedita suspirou aliviada com as palavras do pai e de caminho tirou do cartucho de papel um punhado de aparas que mastigou deliciada. Estranhamente sentiu-se em pecado, parecia-lhe até que Jesus andava arreliado na sua barriga. Rezou por isso muito compenetrada ao anjo da guarda, juntamente com a mãe antes de adormecer e prometeu nunca mais mastigar as aparas.
Desde aí passou a deixar que todos os pedacinhos de hóstia perdidos se dissolvessem na sua boca. Assim não feria o Senhor, andava sempre acompanhada pelo Menino, e rezava serena ao seu anjo da guarda.
Era um pequeno pecado, bem sabia, mas sabia-lhe a imensa fé.



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