quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

o museu e o convento; as monjas e os sussurros

gostava das palavras que lhe faziam cócegas na barriga como....sussurros.

Naquela história não havia outros no museu, só elas e o curador, o Sr. Adriano.
Era como se fosse já uma peça do museu. o fato era castanho baço, da cor do galão escuro que todos os dias bebia no café. as calças ligeiramente acima da borda dos sapatos davam-lhe o ar distraído a quem tem como função cuidar de objectos e de arte, que era precisamente sacra. tinha ainda um curioso relógio de bolso, um chapéu castanho e um sorriso doce nos olhos semi-azuis escondidos atrás de umas lentes grossas.
Não havia naquela história multidões a visitar o museu, não. era um museu por norma muito sozinho de visitas mas cheio dos contos do Sr. Adriano. como havia poucas visitas o Sr, Adriano para se não esquecer dos seus contos tinha alguns visitantes especiais e honorários, Assim eram Benedita e Dolores
quando atravessava a pequena porta do gigante gradeamento de madeira e entrava na sala brilhante, encimada pelos tubos do imenso orgão e ladeada por duas fileiras de espaldares de madeira dourados com um  reduzido assento em cada um, Benedita acreditava ter entrado no reino mágico.  Dizia-lhes o Sr. Adriano que dali em diante só podiam sussurrar para não incomodar o silêncio. Em contrapartida podiam tocar em tudo e sentir tudo o que o museu guardava.
Estranhava Benedita o desconforto das monjas quando percorria todos os assentos do que pareciam poder ser cadeiras mas apenas eram uma espécie de forma de estar em pé mas encostada. Contava o Sr. Adriano que como eram monjas não podiam estar sentadas, seria sinal de desrespeito e como tinham que estar longas horas em ofícios religiosos aqueles assentos ajudavam a mantê-las de pé.
Benedita sentia os sussuros das monjas e levava-os pelos corredores fora onde se repetiam vitrinas com imagens, e estátuas, e pinturas de todos os santos e santas, e todos os paramentos de padres e bispos  com histórias que o Sr. Adriano sabia de cor.
Benedita e Dolores sabiam já das histórias, de tantas vezes ouvidas, das vezes que as vestes tinham sido usadas e como eram rugosas ao toque nas tintas de ouro e brilhantes cravejados que as decoravam, e sabiam os nome dos santos e santas e dos mártires até chegarem à misteriosa escultura da ave que se bicava para alimentar os seus filhotes...a Fénix, a fénix renascida explicava o Sr. Adriano.
Benedita gostava de acariciar aquelas penas de pedra e sentir com os sussurros das monjas, a glória daquela ave em agonia, e encostava-lhe o rosto mas não compreendia.
-  Vamos, meninas, sussurrava o Sr. Adriano,  falta irmos aos claustros.
Sussuravam no empedrado dos claustros os passos das monjas e o rocegar dos hábitos pelo chão. Ali sentadas nas bancadas de pedra do pequeno jardim central ouviam o conto dos bebés que a roda trazia para dentro do convento, que nesta história já era museu, e Benedita trazia todos os sussurros desses choros até à nave central da igreja de ouro.
apertava-se-lhe o coração quando o Sr. Adriano, no fim da visita, fechava com a chave grande a porta pequena do gradeamento que trancava as monjas, e também pedacinhos dos seus sussurros....
- Adeus Benedita, adeus Dolores, até amanhã. assim se despedia o Sr. Adriano, com um sorrido doce no olhar semi-cazul, obrigado pela vossa companhia, e limpava placidamente com o lenço de bolso as lentes dos seus óculos...

Benedita gostava de palavras que lhe faziam cócegas na barriga e no coração como....sussuros

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