terça-feira, 4 de outubro de 2016

o lusco e o fusco e o tempo

era um riscado baço de azul, vermelho e verde. sobrepunha-se num pregueado semi-rígido da saita curta, que acima dos  joelhos teimava em fazer rugas que desmanchavam as pregas tão bem passadas pela mãe. quase rés-vés ao chão, gastos os elásticos, as meias atrapalhavam-lhe o jogo de se equilibrar nas juntas do empedrado do adro e por mais que as puxasse tombavam bêbadas e engelhadas sobre os sapatos de atilhos.
Estava vestida de Outono, dos dias em que começava a escola, das manhãs húmidas e das tardes soalheiras. vestir-se de Outono era parecer-se a um desconfortável cabide por onde escorregam as saias e os casacos em desacerto: um lado  mais puxado para cima para deixar entrar o fresco das tardes quentes e o outro a descair para lhe tapar as pernitas nos fins de tarde das sombras gigantes que subiam a rua desde o princípio da estrada e adormeciam no adro.
e fazia-se o lusco-fusco, uma ténue luz do dia que desafiava o anoitecer, que lhe refrescava os braços e as pernas e a impelia a percorrer todas as linhas que uniam as grandes lajes de pedra, até que estas se perdiam no escuro do princípio da noite. E Benedita ia para casa, precisamente quando  iam chegando as pessoas à igreja para rezar a novena, na hora do lusco-fusco escuro quando os rostos já se não vêem e a saia de pregas  de baços vermelhos, azuis e verdes escurecia.
Fazia lusco-fusco de um fim de tarde de Outono. Benedita percorria ligeira, em equilíbrio incerto, as linhas paralelas e transversais do lajedo, num labiríntico enredado de caminhos, olhando inquieta para o horizonte da estrada de onde caminhavam sombras que ali haviam de adormecer. Já se lhe sumia o brilho do olhar no cinzento do fusco, e o riscado da saia ia perdendo a cor quando na encuzilhada da linha da laje do meio deu de caras com o tronco da cerejeira. Brilhou-lhe o olhar, despiu-se do Outono pulou a sombra dos montes e entrou em Tempo.



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