terça-feira, 16 de agosto de 2011

revoluções

era 1974, mas não era o 25 de Abril, era 16 de Agosto. Uma revolução na família.Vinha ao mundo Ana Margarida a irmã caçula, inesperada prenda da menopausa semi-anunciada de minha mãe.
O fluxo menstrual tinha parado aos 47 anos e, como qualquer mulher, julgou estar no início da menopausa rapidamente confirmada pelo médico após os testes à probabilidade de gravidez.
Tal como a convulsão social que começava a marcar o país também o corpo de minha mãe ameaçava uma guerra estranha que ela mal compreendia. O cansaço que associava às aulas nocturnas que tinha para completar o 7º ano do liceu acrescido de uns estranhos "gases" que lhe revolviam a zona do estômago e um lento mas contínuo processo de engorda colocavam-na na massa de mulheres que tinham estranhos sintomas nessa passagem à idade da não procriação.
O 25 de Abril foi quase um "fait divers" naquela angústia, naquela revolução que o corpo não entendia e a mente não processava. Lidar com as manifestações e com as incursões que os filhos, menores ainda, faziam por essa onda de vibrantes alegrias e vontades era uma simples forma de lidar com as regras, algo que o seu corpo parecia na altura não entender.
Também naquele ano, calhara em sorte à família, 15 dias de férias na FNAT, no Algarve, algo quase improvável, mas deliciosamente agradável e que, apesar do 25 de Abril, se iria manter como prémio merecidamente ganho.
Mas aqueles estranhos gases que remexiam sobre o estômago não silenciavam, ainda que o soutiã de base descida os tivesse acalmado, o cansaço permaneceu mesmo acabado o calendário escolar. A breve confidência que me fez, pelos meus catorze anos, dava conta de uma angústia de morte:
" - Não sei que tenho minha filha, já fiz todos os exames, radiografias e sei lá mais e nenhum remédio me põe bem. Estou preocupada, devo ter alguma coisa muito grave". E calava a dor de não saber. "- O médico quer que eu faça outro teste de gravidez, só para tirar todas as dúvidas, mas acho que é uma perda de tempo.." Frases para não terem resposta, a que eu prestei uma atenção relativa, até que alguns dias passados, creio que em inícios de Junho de 1974, explode uma bomba: "- Vou ter um bébé, diz a minha mãe com um leve sorriso maroto (que hoje sei deveria estar marcado por imensa incerteza), os gases são um bébé". Foram imensas as histórias à volta desses gases que "faziam lembrar um bicharoco", imensos os incómodos por acompanharmos uma mãe grávida (ninguém tinha filhos com aquela idade), imensa a alegria da aventura de mais um(a) e imensa a ansiedade de um filho(a) sã(0).
Éramos três, o mais novo, meu saudoso irmão, era portador de trissomia 21 e o diagnóstico, aos seis meses de gravidez, quando soube estar grávida foi aterrador: "pode ser normal, mas tem grande probabilidade de ser igual ou pior."
Mas, a grande epopeia daqueles meses foi não perder os 15 dias de férias ganhos na FNAT.
Era assim a minha mãe, uma mulher revolucionária, que não sabia que o era: a revolução da sua vida aos 47 anos foi garantir o usufruto de umas férias para toda a família, pelas quais todos os anos batalhava, em Albufeira, na FNAT.
A 1 de Agosto partimos, enxoval de bébé e berço a bordo. Oito horas de viagem pela sinuosa serra do Caldeirão.
A 16 de Agosto, em Faro, nasceu Ana Margarida, nome degladiado com nosso pai que desejava a perpetuação de nomes familiares, pesados. Uma linda princesa de um desejo não desejado.
Ainda foi à praia, em Albufeira, em Agosto de 1974.
Foi minha mãe heroína em 1974 e minha irmã a eterna lembrança dessa força.


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