sexta-feira, 13 de julho de 2012

a "emissora"

sempre a achei parecida com uma antena! chamavam-lhe "emissora" e era mais rápida e eficiente que a verdadeira. é que em dias de tempo ruim, não se ouvia nada na rádio, mas "a emissora" nunca perdia as ondas.
era tão direita quanto uma antena podia ser, direita porque nem se lhe notava qualquer sinal de escoliose, mas também nunca se lhe tinham conhecido curvas suculentas. O nariz, adunco,  parecia querer conhecer os mais ínfimos segredos e quando ela se inclinava sobre nós, quase que sorvia para o olhar o que dizíamos.
Guardei-a com um casaco verde, direito, a cair ligeiramente abaixo da anca, sobre uma saia de pregas, escura que lhe escondia a perna um palmo abaixo do joelho. Era grande para a época e usava um sapato raso sem forma.
Não tenho grande ideia de sorrir, mas recordo um ou outro esgar que por qualquer motivo estranho a tornavam simpática, assim como um mastigar subtil do canto da boca, como se a palavra estivesse sempre desejosa de sair.
Não sei se ela se sabia como emissora, mas arvorava bem esse papel de conhecedora da notícia: a pública e a ilícita.
às vezes pintalgava os lábios de um vermelho garrido o que lhe dava um ar particularmente absurdo, como se a notícia fosse já de si ajavardada.
É, todos gostavam da emissora, um canal particular de comunicação pública do que não se ousava dizer ou pensar, uma espécie de consciência permanente dos segredos possíveis.
quando se foi partiu parte do colectivo...ninguém deu conta, mas à comunidade foi-lhe parte da alma.

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