terça-feira, 29 de março de 2016

o lugar dos ventos


não havia bocadinho, nem instante mais precioso do que o da lágrima sorrateira que lhe iluminava o olhar quando  se lhe derramava o coração.
sentou-se no lugar dos ventos. os montes ondulavam no horizonte como vagas de um mar imenso. corria por entre eles uma névoa leve que humedecia os vales e esbatia os verdes no azul do horizonte.
tocou-lhe o rosto a brisa de oeste e revoltearam-se-lhe os cabelos com os ventos de leste. agitaram-se as copas das raras árvores e os montes pintaram-se de um breve lilás.
estendeu-se na pedra quente e espreitou as águas escuras e densas  a serpentear no fundo das arribas. Sabia-os por ali, aos gigantes de outros tempos. falavam nos espaços de silêncio das aves grandes que ali planavam, ali no princípio da criação.
dançaram tocadas pela brisa as pétalas das flores lilases logo abaixo do lugar dos ventos. a gigantesca tartaruga de pedra ajeitou a carapaça rugosa e o fazedor de tempo caminhou até ela. olharam juntos as águas escuras e densas, ouviram os silêncios e o som das asas do voo das aves grandes.
Tocou-lhe as pálpebras, o fazedor de tempo, as palmas frescas no olhar quente e logo lhe segurou o rosto entre as mãos. aproximou-lhe os lábios suavemente, passeou-os pelos seus e deu-lhe a alma, um pedacinho de silêncio do lugar dos ventos.
Existiu, no princípio da criação. iluminou-lhe o olhar uma lágrima sorrateira que se perdeu nas águas densas e escuras, por onde o seu coração se derramou.
- Bom dia Benedita, disse-lhe o Sol.

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