Em defesa da língua portuguesa, este blog não adopta o "Acordo Ortográfico" de 1990 devido a este ser inconstitucional, linguísticamente inconsistente, estruturalmente incongruente (para além de, comprovadamente, ser causa de crescente iliteracia em publicações oficiais e privadas, na imprensa e na população em geral)
domingo, 15 de janeiro de 2017
a gata parda
e tu que sabes dos dias ausentes de carícias se te ausentaste de mim?
sentou-se na borda do passeio. era um tempo em que ainda se podia sentar na borda do passeio. a saia de pregas finas, de tecido a perder o engomado, resvalou-lhe pelas coxas que envolveu nos braços ao encostar o rosto nos joelhos. Ficou-lhe o olhar perdido no empedrado, ao som das caricas jogadas mais acima na borda do passeio, enquanto laboreava bolhinhas de saliva que se iam dissolvendo, como os sonhos.
aconchegou-a o calor do sol, sem ser ardente. rodou o rosto e deixou-se apenas a mirar bolhinhas de saliva a lampejar, como estrelas cadentes. Na berma do outro lado olhava-a a gata parda. Benedita fez uma grande bolha de saliva que se desfez em plof, e a gata parda lambiscou-lhe os joelhos mesmo acima das meias xadrez. Benedita espreguiçou-se, igual à gata, lânguida e sonolenta.
o rapaz da franja escorrida perguntou-lhe: posso fazer bolhinhas contigo?
- Sim, podes, disse Benedita. Esta é a gata parda, sabes.
E fizeram bolhinhas de cuspo ao calor médio da tarde, até não apetecer mais
e tu que sabes dos dias ausentes de carícias se te ausentaste de mim?
Ah! estou na berma do passeio, com a gata parda.
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