quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

o silêncio das horas quentes



fixou o olhar na  fina e curta haste de cana, pintada de verde garrafa a esmaecer e bailou os olhos no subtil balancear da cortina que as juntas de arame teciam entre todas as hastes. Quase  iguais gingavam desencontradas em danças lentas, no princípio das tardes, no silêncio dos dias quentes.

Benedita gostava de se sentar no beiral da porta, pernas além da cortina, no topo do patamar da escada de pedra onde o Sol espevitava toques quentes que se lançavam cortina adentro por entre os desencontrados pedaços de cana e lhe beijavam pedacinhos diferentes do corpo.  fugiam-lhe por entre os dedos aquelas borboletas de luz sempre que as procurava agarrar.  olhava então a dança lenta das canas e inventava batotas puxando com as mãos o tecido de arame soltando-o num balanço forte e denso que atropelava o silêncio da hora mais quente.
- Benedita - arrastava a avó em tom zangado e sonolento de uma sesta estragada -  já entraram os moscos...é no que dá andares com a canalha, nunca estás queda...deixa a cortina quietinha, Benedita..
e terminava num bocejo cabeceado enquanto se lhe fechavam os olhos para o resto da sesta. Sentada no mocho, que de Inverno a acachava à lareira, mastigava a saliva enquanto enxotava o mosco que lhe poisara na orelha "catano do mosco" ruminava e logo dormia.

...o silêncio da hora mais quente sentava-se do lado de fora da cortina verde de caniços. Benedita suspirou devagarinho, pensou as palavras não ditas, e disse: - vó, gosto de ti, estava a esquecer de te dizer.
os caniços verdes da cortina guardaram segredo. só o murmuram no silêncio das horas quentes.

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