quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

o tempo é uma aventura

a aldeia vestia-se de humidade cinza. Uma estranha mistura entre as fumarolas das chaminés e os bafos quentes da terra envolvia o casario num familiar cheiro de lenha queimada. Nos becos e travessas nem vivalma. A manhã convidava a permanecer no quente do lar e a ousadia de qualquer ente, fora de portas, era fácilmente notada, pelos passos que ecoavam aldeia fora.
Benedita não tinha frio. Saltitava de pé para pé com as suas meias até aos joelhos a escorregarem pela canela, saia de pregas em rodopio constante. Comidas as migas de café com leite, encostava a testa aos vidrilhos da porta,  e enquanto esperava a  autorização para sair ia desenhando flores e corações no bafejo que soprara nos vidros. Quase sem querer, devagarinho, ia abrindo a porta esgalgando o pescoço e enovelando-se na humidade de cheiro a lume que a rua emanava e devagarinho voltava ao desenho não fosse a mãe proibi-la de sair, por causa do frio. Nisto ouviram-se os badalos muito ao longe, som quase sem som. O pastor ia para as cercanias e Benedita correu para a mãe, para sair, porque com as ovelhas, com os balidos que iam atravessar a aldeia ousava-se mais, fora de casa, e já poderia brincar na rua.
- Mãe, mãããe, gritava Benedita pelo corredor, já posso ir brincar? já ouvi o rebanho a ir para os lameiros. Deixa, mãe, deixa eu ir!
A mãe deixou e fora de portas, no pequeno largo fronteiriço,enquanto esperava outros garotos que a ela se juntassem ia, de saltito em saltito, e a cantarolar uma lenga lenga, pisoteando as caganetas caroço de azeitona, percorrendo o rasto do rebanho. Lá ia ela, Benedita, rosto rosado e vibrante, alegre e saltitante, meias meio descidas nas canelas, botas de atilhos laçados, pela rua acima no rasto das caganetas que não se colavam ao calçado, ao encontro da brincadeira com a restante cachopada.
  É, quando se é criança, não se tem frio, nem calor. O tempo é apenas uma aventura e Benedita brincava na rua!

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