sábado, 15 de setembro de 2012

rua acima, rua abaixo

era Verão e a noite era quente, Benedita aguardava a hora de sair, de mão dada, com os pais, rua acima até à praça da vila, onde a gaiatada já estaria a brincar, e no café se olhava um pouco da mágica televisão. Costumava sentar-se, muito bem comportada, nas escadas de dentro da casa. Cotovelos sobre os joelhos, rosto apoiado  nas mãos, balançava o corpo como se cantarolasse uma musiqueta. Mal ouvia os passos dos pais na descida da larga escadaria, punha-se de pé num ápice, olhito a brilhar de satisfação e chegava-se, bem, bem até à porta. Naquele dia não a levaram, porque já era tarde, dizia a mãe, porque tinha que ir descansar, dizia o pai, porque as outras crianças também ficavam em casa, diziam os dois....debulhou-se em lágrimas mas nada, nadica de nada  os demoveu!  Não ir estava fora de questão...era só preciso esperar o momento certo e esgueirar-se à empregada.  Decidiu-se pela janela, para observar o momento mais oportuno de sair de casa. Esbogalhou o olhar!!! Era mesmo ela, a Quiquas...que raiva! e era mais nova ainda que ela! grandes mentirosos os pais a dizer que não havia meninas na rua, que raiva! E logo a Quicas, que nunca saía.
 Bom, agora era mesmo preciso sair e o melhor alibi para não apanhar uma tareia era levar o mano, isso mesmo! Sair de casa obrigou a uma luta cerrada com a empregada. Foi preciso uma biqueirada e uma ameaça de mordidela para conseguir abrir a porta e com o Lelo seguir, rua acima...
Estava aquele lusco-fusco chegado ao lado mais escuro do fim de dia, mas chegava para os deixar subir à Praça sem grande medo das sombras que as luzes dos candeeiros aumentavam nos arbustos e muros atrás das suas luzes. E seguiram mão dada, rua acima. Benedita temia uma sova de chinelo e mais ainda que a agarrassem por uma orelha  e assim a levassem até casa...que humilhação.
Pois até que era verdade, não havia quase gaiatos na rua...O café estava cheio. lá dentro até parecia que estava um mar de dolente cadência e estranhamente quente. Espreitou a janela, rapidamente, para não ser vista. Lá estava a mãe numa mesa a beber café e a ver televisão, do pai nem sinal...talvez no clube.
Lelo estava a ficar maçador, não lhe apetecia estar na rua, e parecia estar já com sono.  Não foi difícil chegar ao salão, mas foi demorado passar a porta sem o pai dar conta e acoitar-se sob a mesa de bilhar. Depois foi mesmo só brincar de escondidas para o pai os descobrir. E foi como ela pensara. Com o Lelo já cansadito o pai lá os deixou ficar nos sofás a ver televisão enquanto terminava a sua bilharada.
Ganho o pai, Benedita aliviou.se da ideia da chinelada da mãe, mas um castigo era bem capaz de acontecer, pensava. Lelo já dormitava no ombro do pai quando entraram no café, A mãe fez aquele olhar que a levou  a encolher a cabeça bem dentro dos ombros, mas depois sorriu e Benedita iluminou-se, saltou-lhe para o colo encharcou-a de beijos e mil desculpas e prometeu mil vezes que nunca mais fazia igual. Na televisão acabava "O Santo", era hora de chegar a casa.
Rua abaixo, no passeio dos canteiros das borboletas, com os candeeiros a bruxulearem, Benedita saltitava, mãos dadas ao pai e à mãe...tinha ganho à Quicas e adorava os pais.
Bom, faltava ainda a queixa da empregada, mas amanhá era outro dia. E Benedita sorria

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