sábado, 21 de janeiro de 2012

faunos, fadas e saltimbancos

há um tempo de Inverno em que o dia tem um eterno e húmido frio. É um tempo em que a neblina e a névoa descem à Terra, envolvem as casas, as árvores, os fios de luz com cálidas e frígidas gotículas de água. E, sobre o povo, as fumarolas enroladas, que se escapam de cada chaminé aquecem apenas o cheiro que devolvem às quelhas e travessas.
Este é o tempo do silêncio onde soam todas as memórias. E nascem os mais lindos cristais de gelo, belo sincelo, aprisionadas as memórias em extraordinários pingentes.
Aqui ousam chegar os faunos e as fadas a estes povoados, catedrais da natureza, espaços mágicos e sagrados, onde os humanos se aquecem junto a fogos intensos, do atear das vides secas, prolongados num borralho acolhedor, dos toros de raízes de oliveira.

estava assim, há uns dias na aldeia, breves humanos a despontarem na paisagem: umas idas à fonte, uma saída com os burros. Bochechas coradas do lume, à ida, logo pontas arroxeadas à volta numa corrida ao encontro do quente do lume. De faunos e fadas nem sinal.
Benedita entristecia, testa colada ao janelo da porta, postado o olhar sobre a rua, sumida entre as gotículas gélidas!
Bruuumm; bruuumm; chiiiiiing; brum, brum, brum...
Os olhos de Benedita arregalaram-se. Limpou com o cotovelo o vidraço. A subir a rua vinha uma carrinha branco suja a puxar uma caravana branca, em soluçante andamento expelindo umas baforadas de um fumo acinzentado.
"Os faunos, as fadas", pensou Benedita, "chegaram". Em correria pela casa, logo quis ir à rua, mas que não pode, assim determinou a mãe, por causa do frio.
Soube as novas no dia seguinte, os faunos e as fadas tinham vindo para actuar - a mãe chamava-lhes saltimbancos - no Domingo. Só faltavam dois dias!
O tempo amainou e ainda que frio, este não se agarrava à pele, como se uma invisível cúpula transparente mantivesse as gotículas lá mais acima.
O largo de aldeia estava apinhado de povo, tudo em volta da caravana misteriosa que lá tinha estacionado, esperando o espectáculo. Era um círculo de bafos, narizes avermelhados, gorros e cachecóis e uma ondulação de bater de pés no chão para enganar o frio.
"Faunos e fadas, claro", assim se certificou Benedita pois transportavam a varinha mágica, pai, mãe, filha e filho, pequenos, como ela.
 E fez-se magia, a água ficou vinho e ofereceram flores surgidas do nada e, em maiôs justos, fizeram equilíbrios e acrobacias, malabarismos e contorções, braços e pernas desnudas, sorrisos abertos em lábios roxos nas vénias de cada salva e dos ohs e ahs de espanto da audiência.
Envoltos em capas grossas, recolheram moedas parcas, que não lhes apagaram o sorriso dos lábios mas que lhes entristeceram o olhar.
Era suposto ficarem mais um dia, que era feriado, mas a manhã acordou fria e húmida, arredada a cúpula protectora e os faunos e as fadas tinham desaparecido...
- Saltimbancos, Benedita, saltimbancos, minha filha, andam a ganhar a vida - insistia a mãe.
Benedita encolheu os ombros e suspirou, com pena da mãe. Faunos e fadas sem dúvida só eles podem fazer magia e dançar o corpo nos dias do eterno frio.
Um dia viajaria com eles. Por ora estavam naqueles pingentes de belo sincelo que a manhã tinha tecido nos galhos despidos das árvores

Este era o tempo do silêncio onde soavam todas as memórias.  Nasciam os mais lindos cristais de gelo, belo sincelo, aprisionadas as memórias em extraordinários pingentes.

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