terça-feira, 27 de novembro de 2012

a novena

a capela ecoava uma avé maria feminina, uma novena de partida, hipnótica pela cadência: a voz átona da guia no desfilar dos mistérios, seguida pela santa maria de um coro de intensa contenção e a glória ao filho e ao espírito santo mesmo antes do 2º mistério.
Quase sem querer a comunidade cristã estava no deserto, envolta no calor seco dos ventos de oriente e continuava a entoar a novena no ocaso, num louvor ao Sol, ao mistério da sua redenção. Entrou-me a avé maria no peito, fumarola alucinante de uma capela, que perdia as paredes e se adensava pelos céus.
 Orei, sem me embrenhar em excesso, não queria embarcar na histeria de mistérios que já não compreendia, mas queria passar às areias do deserto.
O rosário não deixava soar o tom masculino, diluía-se naquele tom esganado e lento de um caminho até à salvação. E os mistérios continuavam dolorosos...
Tinha já muitos invernos em cima, quando entrou e se sentou bem lá à frente, fora do redil de machos, e num anonimato destempo, como uma sombra de som, agrega-se à novena no flanco da voz da guia, dando-lhe um novo alento, mais hipnótico...poderosamente astral.
não orei, passei a oração e o meu passo encontrou a areia do deserto. ao longe, distante no horizonte ouvia-se ainda: 4º mistério e o burburinho de vozes cantantes.

Saí do deserto quando me esqueci de ser crente. Por vezes, muitas vezes, apetece-me lá regressar.
Ali, atrás, era um funeral. 

Sem comentários:

Enviar um comentário