terça-feira, 7 de junho de 2011

o baile, um certo encanto, uma certa tragédia e uma certa sensualidade

não ser de lá tinha um certo encanto, uma certa tragédia e uma certa sensualidade. Era a ausência de história e por isso permitia todas as histórias e era também a improbabilidade do compromisso. Ficava então apenas o momento, a situação para ser vivida, num jogo de sensuais ausências.
O conjunto tocava "que viva espanha" e o salão do baile quase cuspia os corpos que por ali deambulavam em agitadas manobras contorcionistas de pulos e saltos, abafando a voz,que estava já um pouco cansada, do vocalista. Era a última noite do Carnaval. A colectividade, como todos os anos, fabricava a melhor animação das redondezas e, ainda que sendo uma pequena aldeia, tinha um corpo de foliões com fama por ali e arredores. Por isso a enchente nas noites de baile, com conjunto contratado, a tocar as mais mexidas misturando uma ou outra mais romântica, que estes bailes eram ainda para despertar a química e quiçá iniciar um namoro ansiado, ou despertar apenas arrebatados desejos.
Uma pequena parte do salão dispunha de mesas e cadeiras onde algumas familias e amigos passavam a noite entre bebidas, danças, larachas, de uma forma descontraída e confortável. A ladear as laterais duas filas de cadeiras onde se sentavam mães com filhas casadoiras à espera daquele pequeno gesto de sobrolho "a menina dança" para agitarem o coração, corarem e correrem para a pista, ou então darem valente tampa à espera do olhar especial. Aquelas noites eram também diferentes, permitiam mais liberdade, para além das danças entre mulheres, à espera de serem apartadas, as rodas, os comboios, os pulos e os saltos possibilitavam uma pequena mudança no "quem pede a quem" e a vivência dessa pequena transgressão era por vezes a libertinagem de uma vida.
No topo da sala estavam "eles" que com o correr da dança iam passando para o meio da pista,ultrapassado o nervoso inicial, bem visível pelo engolir em seco que ondeava as maças de adão presas em colarinhos de gravata ou laçarotes, também estes desapertados ou mesmo perdidos à medida que o calor dos corpos o exigia.
Sempre houve os mais ousados e, as mais ousadas também. Menos nas laterais, mais no meio da pista, passeando a vontade de misturar anseios. E por fim os mascarados.
Para além dos "desaparelhados" a pista era cruzada pelos casais, com mais ou menos anos, pelos noivos que se aconchegavam sempre, mesmo no intervalo das músicas, e pelos namorados que conforme a fase podiam ser já um par ou aparelhar por ali.
Nesse ano, fizera parte da comunidade, ainda que não sendo de lá, agrupara-se às "teenagers" da moda e para além do corso entrara de máscara no baile. Estar mascarada era uma vantagem, podia dançar sozinha,ou puxar para a pista qualquer presente, e não sendo de lá, não corria o risco de passar uma noite inteira sentada, a olhar. E assim o fez, inicialmente, mas a máscara incomodava, não deixava respirar pelo que teve que se retirar para a zona onde a familia convivia e lá se sentou com um suspiro antevendo uma noite por ali passada. Ia percorrendo com o olhar os pares que dançavam, sorrindo com os pedidos aceites ou as tampas tão graciosamente dadas, até que o seu olhar se cruzou com um leve levantar do sobrolho de um louro de bigode interessante.
-Para mim? Perguntou apenas com o arregalar dos olhos, seguido do apontar para si própria com o indicador, dada a incredibilidade da situação. É que ele era giro, talvez mesmo o mais giro, aparentando já uma certa maturidade, como é que estava sem par? pensava enquanto se dirigia para o moço o que, percebeu bem, despertou algumas invejas. - Olá, disse, não tenho muito jeito para dançar agarrada, não estou habituada.
- Não faz mal, respondeu, segue os meus passos, que vais conseguir. E sorrindo, segurou-lhe a mão e ajeitou-lhe o corpo no encosto ao seu e deslizaram com uns iniciais desacertos.
Dançaram toda a noite, as românticas e as mexidas, com mais ou menos aconchego, sem grandes conversas, os corpos suados. Aqui e ali umas interrupções com troca de par para não dar nas vistas, que lhe permitiram saborear uns segredos "ele tinha tido um namoro muito forte, com uma fulana muito bonita e tinham terminado há muito pouco tempo", "era um desejado, em bom partido e espantavam-se com rendição daquela noite".
E, terminou, com um "gostava de te ver outra vez" também por ela desejado.
Nunca aconteceu, nem era para acontecer. Por não ser de lá tinha um certo encanto, uma certa tragédia e uma certa sensualidade. Ficou nos corpos suados e nos aconchegos dançados da noite.
Ele entretanto casou-se com a fulana gira, com quem tinha uma história.

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