quarta-feira, 1 de junho de 2011

a galinha atropelada

havia uma galinha, sem nome, que endoidava quando a menina chegava e decidia carregá-la pela aldeia. Extraordinariamente a menina sabia que era aquela a galinha adorada, no meio de todas as outras que vagueavam pelas ruelas e largos e que misteriosamente ao fim do dia sabiam para que galinheiro se dirigir. Nem todas andavam por aquelas ruas, abraçadas por hortas onde bicavam aqui e ali para depressa regressarem ao espaço do casario e por ali se passearem agitando as asas e rodando um rabo empinado, oferecendo uma vaga vaidade de quem se mostra no seu esplendor. Era aí que a menina, de repente, surgia, desembocando em corrida galgada de uma travessa, de braços abertos para ir encurralando aquela, que era castanha mesclada de amarelos muitos breves e um ou outro traço sobre o preto, tão igual a tantas outras, mas que fugia endoidada, sem rumo. Batia as asas e não voava, cacarejava, corria, levantava pó e soltava penas, mas acabava sempre por ser aparada nos braços da menina que num sorriso desdentado, a elevava e pousava na cabeça para se passear tal qual a galinha o fizera pouco antes...e o que esta se equilibrava para não cair!
Era estranho mas tão provocatoriamente indecente, dar colo a um bicho que se comia e, pior ainda, agitar daquela maneira a galinhada.
Sabiam quem eram, uma e outra, quase sem querer amavam-se e temiam-se. A menina temia não conseguir alcançá-la, a galinha temia passar pelo passeio instável no cocoruto da criança...Por isso uma fugia para que a outra a agarrasse.
Houve então um ano em que a galinha já lá não estava e a verdade é que não tinha sido comida. Não, nada disso, tinha sido atropelada e, apesar da dor, "ainda bem" pensou a menina que pode passar a detestar o condutor!

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