domingo, 24 de março de 2013

e foi no barco grande

e foi no barco grande.
À saída do cais a chuva caía, miúda e revolvida nas rajadas curtas dos ventos marinhos. Ao longe, bem fundeado, o navio aguardava sob um céu cinzento a carga que havia de lhe chegar, da ilha.
Entraram no barco pequeno. O malote vermelho e o senhor do bote esperavam-nos. dentro do barco   formava-se um pequeno lago, sob as traves grossas da base.
- a menina ponha os pézinhos aqui, para não se molhar, e a senhora agarre-se bem com as cordas e encoste os meninos a si, que a viagem ainda é comprida e as vagas estão picadas! disse o timoneiro.
o barco arrancou, motor em cadência lenta, a singrar as ondas em jogo de curvas que o mar estava fresquinho. a chuva envolveu-se com os salpicos do mar e fustigou-lhes os rostos e as mãos sob a capa de um resguardo plástico. Benedita escondeu a cara no peito da mãe para afastar o medo e só pensava na sua casa de armários vermelhos...
Chegaram lá, a uma parede preta imensa no meio do mar, o navio. Benedita estremeceu, encostou-se no calor da mãe que lhe dizia "vai minha filha, passa para lá" e, olhando o abanar agitado da beira do bote, bem encostado à escada de ferro daquele muro preto achou que não queria ir.
Um ligeiro toque da mãe e a mão estendida do marinheiro de farda preta e, zááás, ficou com os pés sobre o primeiro degrau, da escada de ferro, o maior deles todos. por baixo, no espaço vazio entre os degraus dançava um mar picado que parecia puxá-la para o abismo.
ao rosto chegavam-lhe os salpicos de chuva e de mar que lhe davam um gosto salgado nos lábios e lhe empapavam os cabelitos curtos. Concentrou-se na saia de pregas e nos sapatos de verniz pretos, deixando que o marinheiro a guiasse pé atrás de pé, até estar segura no convés.
Quando olhou a ilha tinha ficado, presa no fundo do mar, a baloiçar com as vagas em dança com o Infante.
E Benedita foi, o mar picado no intervalo dos seus passos.
Meia terra, meia mar foi, com gosto de sal, no barco grande.

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