quinta-feira, 28 de março de 2013

o grilo e a primavera e a cigarra

não sei porque naquele tempo tinham uma gaiola com um grilo, mas  tinham. Todos os anos naquele tempo havia o dia de apanhar grilos. Era antecedido da compra da pequenina gaiola plástica, por norma vermelha e amarela, no dia da feira. No dia da caçada, desandavam em bandos pelos campos e montavam umas pequenas armadilhas com caixas de fósforos e folhas de alface e com paciência esperavam que os grilos caíssem no logro. Os gaiatos mais expeditos apanhavam-nos com as mãos, mas eram poucos os que o conseguiam.
Grilo apanhado, caminhada de regresso a casa. instalava-se então o bicho na gaiola e durante uns dias a gaiola era espaço de romaria quando o grilo cantava, quando o grilo comia, quando o grilo se agitava
Benedita não achava grande piada ao insecto preto, que também ao fim de poucos dias acabava por morrer, nem dava tempo de gostar dele. Um ano o grilo passou com eles todo o tempo do Verão. extraordinariamente não morreu depressa. Cantava todos os dias, parecia feliz em cativeiro, foi até preciso levá-lo na viagem até à aldeia. e foi, na sua gaiola muito compenetrado, no porta chapéus do carro, nem cantou. Benedita gostou dele, era tão resistente aquele grilo, ultrapassou o tempo dos outros grilos todos e cantava todos os dias. E todos os dias comia da alface que Benedita lhe dava através das grades.
Ainda que encantador continuava a ser aquele insecto preto pouco convidativo que de dentro da gaiola lhe sussurrava gri-gris de amor. Era sempre primavera no tempo do grilo cantante...Até morrer! Benedita ficou triste e, pela primeira e última vez fez o enterro do grilo.
Numa certa altura deixaram de ter grilos.Assim como gaiolas.
E a primavera distraiu-se.
Sem tempo  do canto da cigarra  Benedita procura o grilo que atravessa o Verão, a ver se chega a Primavera. é sempre bem vindo, sem gaiola.

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