Em defesa da língua portuguesa, este blog não adopta o "Acordo Ortográfico" de 1990 devido a este ser inconstitucional, linguísticamente inconsistente, estruturalmente incongruente (para além de, comprovadamente, ser causa de crescente iliteracia em publicações oficiais e privadas, na imprensa e na população em geral)
sábado, 31 de dezembro de 2011
pirilampo
deu um passo e caiu. Sentada no chão sacudiu a cabeça e sorriu :)
lá mais à frente luzia um pirilampo. estendeu os braços e escorregou o corpo pelo chão.
- Olá pirilampo! e sorriu.
ergueu-se e dançou e pirilampos iluminaram-lhe o rosto na coroa de luzes com que a toucaram.
um rio de pequenos lampejos na cascata de cabelos...e sorriu.
e beijou a flor ali encontrada e se perfumou.
deu um passo e caiu, do lado de lá, sentada no chão frente ao fogão e sorriu...
esfregão na mão, escorregou no chão e estava lá o pirilampo lampião e....sorriu ;)
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
e nascemos, nus e nuas...
Nasceu linda e nua e iluminou a lua.
naquele dia as fadas bailaram
e flores de prata colheram
aquele dia, não sei qual era,
quando a menina nasceu
acordou o reino das sombras
e de luas o preencheu
naquele dia que não existiu, o universo explodiu
pintou um jardim de estrelas
e mil mundos de vida
e nascemos, nus e nuas,
natais de todos os dias
e, nesses dias, as fadas
dão-nos as flores de prata
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
em jeito de sinfonia
Eu gostava mais do tempo da Primavera, por norma ao Domingo. Os sons que bem cedo acordavam as gentes piscavam encantamentos e a romaria começava mais cedo. Atrás da banda começava o povo a movimentar-se e a praça ajardinada enchia-se. A rala teia de cadeiras rapidamente lotava. De pé, em curtas passeatas, os vilanenses trocavam breves cortesias e sorrisos de bons dias aconchegando de afectos as sinfonias da filarmónica.
À volta ou ziguezagueando por entre as roupas domingueiras, corriam saias plissadas e rodados vestidos floridos das gaiatas num jogo de apanhada procurando distrair os cachopos que jogavam à carica no lancil do passeio.
E a banda tocava: clarinetes, saxofones e tubas e pratos e tambores tornavam-se a orquestra elegante e culta do domingo de Primavera, que o Sol aquecia. Então o coreto iluminava-se, o tempo parava, só a música em suaves ondulações preenchia o espaço e embalava os solfejos dos corpos, até à hora da missa.
Eu? eu ia entrando no templo, de saia plissada,bem agaitada , saracoteando os ombros em jeito de sinfonia, levando coreto e banda e tempo de fantasia.
Quem dera, amanhã ser Domingo na vila.
domingo, 11 de dezembro de 2011
nascer
O parto tinha sido longo e difícil. Tão longo que nem lembrava a dor só o cansaço permanecia.
Tinha temido apenas não ter força para o trazer à vida. Entre lavagens da ventosa de uma parteira pragmática, gritos de incentivo do, com certeza assustado mas motivador insane, companheiro e alguma desorientação do obstreta, deu o vitorioso puxão que trouxe logo um vagido choroso. Ainda pernas e braços recolhidos, sexo desconhecido. Não era tempo de ecografias e apesar de se poderem fazer, quis permitir-se imaginar o ser menina ou menino, ainda que o desejo pudesse ter uma preferência.
- Não mo leve...pediu à parteira que apressada pretendia tratar da limpeza da criança - quero-o sobre o meu peito - e a voz sumia-se no cansaço, apesar do olhar brilhante. Era perfeito e era um menino, logo lhe tinham dito e, pegado como um coelho coberto de uma leve gordura esbranquiçada, assim a parteira lho colocou, sobre o peito, pés virados para o rosto, sem poder olhar os olhos algures fixados. E acariciou-lhe, breve, as pernas roliças e pegajosas, que a parteira de forma rápida lhe surripiou ao contacto, que era hora de terminar a tarefa. Eram 4.40H. Tinha 4 quilos.
Então não explodiu de amor, olhava-o e dizia: - Não percebo como saiu de dentro de mim, já percebeste como aconteceu? perguntava vezes sem conta ao também extasiado companheiro.
E não o sentia seu. Temeu não ser normal. Aquele amor de mãe que tanto ouvira falar, não estava lá ou então não sabia o que era. Mas adorava olhá-lo e quase com temor afagar aquela carinha e contar-lhe os dedos um a um. Mas ai...a explosão de amor, não sabia onde estava.
Saiu orgulhosa e triste da maternidade. Aquele vazio do ventre não se preenchia.
Naquela noite, na mamada da madrugada, o menino engasgou-se. Tempo demais, não sabia o que fazer, nem conseguia gritar.
A avó que ainda cirandava pela cozinha, entrou porta dentro, casualmente e casualmente percebeu que algo não estava bem. Entregou-lhe o bébé, olhar culpado de angústia crescente e disse: - Mãe ele não respira.
O arroxeado da pele, os "então, bébé, então" da avó, que começava a mostrar sinais de angústia por entre os sopros que lhe fazia, apertaram-lhe o coração tanto e de tal modo que apenas dizia: - Mãe, mãe, o meu bébé, o meu bébé...
Ele respirou, chorou e ela explodiu de amor.
quinta-feira, 8 de dezembro de 2011
Uma história de amor: do acto do casamento: 7 de Dezembro de 1961
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Oh! Quando será que volto a sentir-te de verdade nos meus braços! Deus permita que seja muito breve. Desde que foste embora que tenho sonhado em ir passar o Natal, dia da família, junto de ti: eu, a nossa pequenina e tu, que nessa altura já serás o meu querido marido. ........................ Querido, hoje tive que desabafar, já não podia mais ocultar todo o amor que sinto e sempre senti por ti. Bem o sabes, se me tenho mostrado um pouco fria, não é por mim, mas sim por teres dito numa carta que bem escusava de mostrar ternura e grandes agradecimentos por teres resolvido legalizar a situação.
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Ó querido (....) tu és tudo para mim. Gosto muito da minha mãe, muitissimo da nossa querida filhinha, mas de ti não gosto menos. Gosto muito, muito de ti (.....). Sinto tantas, tantas saudades tuas.
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Sabes uma coisa? Hoje de tarde fui à Conservatória saber se podiam enviar, no avião de amanhã, os editais para aí. A princípio disseram que não porque o prazo só acabava no dia 29 e portanto só iria no avião de Domingo. Depois tendo dito que tinhas tudo combinado para realizar o casamento no dia 2 e que tal demora iria transtornar tudo, acabou por ceder e lá seguirão amanhã, para depois combinares logo que possas o dia para o acto.
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E agora é a tua querida (....) que te dá beijos muito grandes......
Tua ........
P.S. Fui eu que pus os editais no correio
12/12/1961
Meu (...........), meu muito querido marido
Embora desde há muito te considerava meu, muito meu, pelo amor que te dediquei, pela vida que levámos e principalmente pelos laços de sangue que nos liga à nossa querida filhinha, hoje o nosso casamento veio confirmar mais essas palavras "meu, muito meu". E nunca me enfado de as pronunciar. Ontem, quando li a grande notícia que há já alguns dias esperava com ansiedade, e pronunciei as palavras escritas pelo meu querido marido: "minha cara e legítima esposa", crê (....) que não pude continuar a leitura, pois tive de desabafar porque os olhos já não podiam conter as lágrimas. E chorei de alegria e comoção.
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Ó (...) querido, deves bem calcular como me sinto feliz agora. És meu, meu para sempre. Serei sempre tua fidelíssima esposa, compartilhando das tuas alegrias e tristezas, ajudando-te em tudo o que estiver nas minhas possibilidades, serei a mais dedicada das esposas, afagar-te-ei com todos os carinhos, serei uma mãe estremosa......................Ó meu Deus! Vós recompensais sempre os que sofrem. Muito vos agradeço a concepção desta felicidade. Peço-Vos de todo o coração que sempre me acompanheis.
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Agora que a nossa vida se modificou deixa-me passar este Natal feliz junto do meu marido querido e ao mesmo tempo abraçar-te muito, matar estas saudades que vão sempre aumentando. ---------------Desculpa inscrever-me para a passagem sem a tua autorização, mas sempre pensei que a surpresa que me querias fazer era dizer para ir aí passar as férias....
........................A tua sempre e muito querida (..........)
16/12/1961
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Hoje quando me disseram que tinha carta tua fiquei muito contente, mas julgava que tivesse vindo de barco..... De verdade, se tivéssemos combinado mais cedo a minha ida aí, tinha aproveitado o barco que saiu daqui no dia 14. A esta hora já estaria junto de ti e terias a nossa pequenita mais uns dias junto do seu papá. Como deves calcular estou ansiosa que estes dias passem depressa para chegar o dia do embarque. As horas quase que são contadas.
Já pedi licença ao Director para ir à (............) e fiz o requerimento ao Ministro para autorizar a usar o teu apelido nos documentos oficiais. Portanto já tenho tudo em ordem. Segunda feira já irei levantar as passagens.
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Dizes então que tens sonhado ultimamente com a nossa menina? São as muitas saudades que sentes por ela. Se Deus quiser na 5ª feira já a terás nos teus braços para a abraçares e beijares com muita meiguice...
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E agora é a tua querida esposa que te abraça e beija muito, muito,
Tua muito querida (.......)
http://www.youtube.com/watch?v=_s-gU5movZo&feature=related
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
o tempo é uma aventura
Benedita não tinha frio. Saltitava de pé para pé com as suas meias até aos joelhos a escorregarem pela canela, saia de pregas em rodopio constante. Comidas as migas de café com leite, encostava a testa aos vidrilhos da porta, e enquanto esperava a autorização para sair ia desenhando flores e corações no bafejo que soprara nos vidros. Quase sem querer, devagarinho, ia abrindo a porta esgalgando o pescoço e enovelando-se na humidade de cheiro a lume que a rua emanava e devagarinho voltava ao desenho não fosse a mãe proibi-la de sair, por causa do frio. Nisto ouviram-se os badalos muito ao longe, som quase sem som. O pastor ia para as cercanias e Benedita correu para a mãe, para sair, porque com as ovelhas, com os balidos que iam atravessar a aldeia ousava-se mais, fora de casa, e já poderia brincar na rua.
- Mãe, mãããe, gritava Benedita pelo corredor, já posso ir brincar? já ouvi o rebanho a ir para os lameiros. Deixa, mãe, deixa eu ir!
A mãe deixou e fora de portas, no pequeno largo fronteiriço,enquanto esperava outros garotos que a ela se juntassem ia, de saltito em saltito, e a cantarolar uma lenga lenga, pisoteando as caganetas caroço de azeitona, percorrendo o rasto do rebanho. Lá ia ela, Benedita, rosto rosado e vibrante, alegre e saltitante, meias meio descidas nas canelas, botas de atilhos laçados, pela rua acima no rasto das caganetas que não se colavam ao calçado, ao encontro da brincadeira com a restante cachopada.
É, quando se é criança, não se tem frio, nem calor. O tempo é apenas uma aventura e Benedita brincava na rua!
aquele raio de Sol
que me percorreu a perna em suaves bicadas de ternura depois de me teres olhado, e suado me teres dito:
-" tens olhos de deusa!"
Aquele raio de Sol que atravessou a saliva das nossas bocas, quando me beijaste e disseste:
- "És tão linda!"
aquele raio de Sol que lampejou sobre o meu rosto, naquele orgasmo que repetimos e eu te digo:
- "Amo-te"
Esse raio de sol guardei-o, para o soltar no meu peito, se acaso as portadas das janelas do meu quarto se fecharem.
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
olá, estou aqui
Os dedos dele tocaram-lhe o queixo e os olhos encontraram-se. Ele sorriu.
- Olá, estou aqui. Queres que fique? perguntou, percorrendo-lhe a face com os dedos, deixando-a espreguiçar o rosto, como gata.
-Sim. disse, a meia voz. Beijou-lhe a palma da mão e sorriu envergonhada.
- Não sei o que fazer, como fazer...
- Shiuu! disse-lhe colocando o indicador sobre os seus lábios.
Ajoelhou-se e levantou-lhe a perna, que acariciou, do interior do joelho ao tornozelo. Pousou-lhe o pé, vestido com uma breve sandália de tiras de couro, sobre a coxa, e despiu-o. Beijou-lhe os dedos dos pés enquanto a olhava e entre carícias murmurou-lhe:
- És tão linda!
Ela sorriu e suspirou e o sopro arrepiou-lhe os poros por entre os seios. Puxou-lhe o corpo para o colo e nele se enroscou e arfou.
- Desejei tanto que estivesses aqui...
e a luz do candeeiro foi pintando sensualidades na penumbra.
sábado, 19 de novembro de 2011
a folha, a pequena gota e o pássaro
Tinha caído sobre aquela folha, de uma nuvem parca em água e a folha tinha-a recolhido gentilmente. A gota queria refrescar aquela folha grande e linda e a folha queria guardá-la para as horas secas do fim do dia. E a gota rolava um bailado no rosto da folha e a folha revigorava-se no fresco da gota.
O dia cresceu e os raios de Sol sugavam as pequenas gostas de água que a manhã tinha criado. A folha grande fechou-se e bem na base, junto ao pecíolo, escondeu a pequenina gota que teimava em brilhar com os raios de Sol.
E o dia minguou e o Sol foi adormecendo. A folha grande abriu-se ao encanto do crepúsculo e a gota agitou-se na nervura central.
No fim do horizonte uma linha escarlate encimada por um forte tom dourado, emanava ainda o quente forte do dia e na ponta da folha uma gota de água pendente luzia naquele tom tépido e cinza do princípio da noite. E passou um pássaro de pena azul que ali poisou, sobre o solo junto à folha de grandes abas. De saltito em saltito rodou o bico, sorveu a gota e voou.
E a folha estremeceu com a repentina falta de peso, recolheu as abas e preparou o sono para uma nova manhã à espera da sua pequena gota de água, que o pássaro sorvia.
vermelho, escarlate
Assim, sem mais, desejou ser como ela ao crescer, mãos de luxo, macias, sem a aspereza de quem trata de tachos e panelas.
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
maresia
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
cativamento
meu cativamento.
eu moura perdida
na brisa do vento
e ali me encantei
de um cativo encantado
num cativamento
de brisa fadado
cativa me achei
de um sonho encantado
na brisa voei
ao meu cativo amado
de encanto cativa
meu cativamento
no sonho achada
na brisa do vento
e o vento que eu moura
na brisa cativo
meu cativo amado
me acha na brisa
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
no reino das cerejeiras
- Teresinha, gostas dos meus brincos compridos? e sacudiu a cabeça abanicando os bagos de cereja presos nas orelhas. - Pareço mesmo uma artista, não é? e os cabelos esvoaçaram com maior velocidade lançando os brincos de cereja em rápidos movimentos.
-E os meus, Luz, já viste têm três cerejas. Os teus é só duas! Teresinha sorriu divertida enquanto começava a trepar o tronco da cerejeira indo sentar-se no galho oposto ao de Luz. - Eu sou uma princesa, disse, recostando-se no enlace do tronco com o ramo. Delicadamente deixou pender a perna e embalou-se no balancear do corpo, pendentes os pesados e escarlates brincos de três bagos.
- Luz, vou comê-las. está aqui um cachito com quatro cerejas, assim vou ser fada. E atirou uma gargalhada.
- Ohhh! gemeu Luz, assim não vale! e continuou em suave balancé, corpo arqueado sobre o ramo, cerejas sobre as orelhas.
Sob a copa da cerejeira a sombra amaciava o calor do fim da manhã. No chão, as cestas pendiam de nagalhos presos nos ramos e esperavam rechear-se de cerejas.
Teresinha e Luz, continuaram, princesas do reino das cerejeiras. Até à hora de içar as cestas.
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
o silêncio dos deuses
No abrir da curva soou-lhes aquele ziguezaguear de água, uma corrente estreita e brilhante lá bem no fundo do vale, ecoando mais silêncios.
As pedras estavam lambidas do preto cinza de um fogo intenso que apagara qualquer cor de qualquer planta e na aragem ainda se soltava o cheiro do fumo, impregnando de calor a atmosfera fria do amanhecer. Bizarro strip tease que fazia soar em gritos roucos de pesar, o imenso barrocal na sua imponente e aparente frieza, chorando as giestas e as oliveiras, despido de protecção e que lhes inundava a alma de imensidão.
E estavam ali, aquela oliveira, carregada de um fruto grado e escuro, mesmo à beira de um barroco doce em jeito de sentinelas de um olival que o trilho tinha salvo das labaredas. Ali pararam, as palmas das mãos a acariciarem o rugoso daquele granito o olhar lançado pelos meandros de colinas e barrocos que pelo vale abaixo se despejavam na invisível corrente de água e quase lá brilhava em branco um pombal.
sabes a que cheira, este silêncio? perguntou. Ele olhou-a sem perceber. - Ouve, ouve este silêncio, a que te cheira?
O silêncio latejou em cheiros, nos sons inaudíveis dos badalos de um rebanho a que se sentia o movimento lá bem no fundo do vale, e sorriram.
Estavam ali, os deuses
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
o sal do teu corpo
aperto-te em mim, corpo a corpo poro a poro,
entre nós o cheiro a brisa de maresia de fim de tarde
o sal do teu corpo a adoçar-me os lábios
...e tombo o meu rosto sobre o teu ombro
em terno encanto de protecção
ali te amo, ali te construo
ali, no princípio da criação
sábado, 29 de outubro de 2011
o tempo da lama
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
"Fur Elise" e o piano de cauda
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
sobre o amor (de meu pai)
e se eu tirar os sapatos, meu amor?
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
medos
domingo, 9 de outubro de 2011
o borboletear de Benedita
o passeio alargava-se para se encostar a uma parede redonda de um branco um pouco escuro. Desse espaço explodiam canteiros geometricamente uniformes onde os amores perfeitos fulgiam de cores vivas e matizados inesquecíveis. Era Primavera, o toque aveludado das pétalas apetecia a carícia do Sol...E ali se debatia na seda de uma teia que lhe tolhia os passos e lhe fascinava o olhar. As pálpebras tremeluziam o bater das asas e os olhos encantavam-se naquele tapete suave e como se fora marioneta esvoaçava os braços, adornadas as mãos de uma ou outra mariposa fugidia. Entrava naquele mundo. Do outro lado da teia ficava a estrada onde continuava a andar, o olhar curioso virado para aquele fulgir e do lado de dentro podia devagarinho cirandar por entre os quadrados, os triângulos e os "losangulos". O acetinado da flor acariciava-lhe as canelas finas e o agitado jardim suspenso elevava-se em voos lânguidos deixando uma ou outra borboleta como adormecida nas pétalas ali abertas.
A borboleta, pequenina fada, vestida com as mais belas cores o mais delicado tecido, enreda-se em voo espiralado sobre a estonteada Benedita, e gentilmente inclina-a junto aos canteiros. Sem pressa Benedita segue o voo leve da pequenina fada, polegar e indicador em pinça, e segurando a respiração, agarra em cuidada tenaz as asas lilases pinceladas de amarelo forte onde salpicam uns circulos escuros e em suave roçar deixa que aquele pó de colorido intenso lhe cubra as pontas dos dedos e se solte na palma da mão. E as asas ficam frágeis, translúcidas e ao soltar-se, a fada, pequenina borboleta, parece desequilibrar-se no ar, perdida a dourada poeira que lhe aveludava as asas.
Benedita fascinada envolve-se naquele bocadinho de fantasia, passando os dedos pelo rosto, pelo peito, pelos braços, pelas pernas, mantendo uma lenta carícia do polegar sobre os outros dedos como se quisesse passar a borboleta...E voou assim um bocadinho do tamanho do sempre...
O fio sedoso daquela teia grudenta, cuspiu-a num repente. Ali do lado de fora olhava curiosa as rosas trepadeiras, os belos amores perfeitos a que roubou uma acetinada pétala e a borboleta a que faltava cor e que não fugia da sua tentativa de a segurar. Desistiu, procurava aquele pó mágico que esta não tinha e desatou em correria por entre os geométricos canteiros, espantando borboletas e até uma libelinha, descobrindo uma ou outra escondida joaninha, querendo agarrar em pleno voo a que lhe havia de emprestar cor.
Escorregou numa das rosas caídas e permaneceu em equílibrio de braços abertos, pousada na ponta da sua mão a borboleta despida..
Aii, aiii o vinagre, tinha que o ir buscar à mercearia. E por ali seguiu com o voar das borboletas, até ao centro da vila.
sábado, 8 de outubro de 2011
"je t`aime"
terça-feira, 4 de outubro de 2011
Tânger, a bela
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
saber a mel
terça-feira, 20 de setembro de 2011
soubera eu, de Judas...
sábado, 17 de setembro de 2011
do cheiro da terra ao cheiro da alma: era uma vez um jardineiro
sábado, 10 de setembro de 2011
1969, 28 de Fevereiro: terramotos e uma pensão
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
Berenice, guardadora de fogo
Da lareira saltitavam labaredas brincalhonas que preenchiam as paredes de uma coloração quente, como se o sol ali tivesse deixado os seus vermelhos dourados de fim de dia. De vez em quando uma agitação mais vigorosa, precedida de um vento quase brando, levantava um lume intenso, logo morno de seguida, que acordava a sombra de Berenice e lampejava um sacudir intenso de pestanas.
- Será que acorda? Perguntavam-se as saltitantes labaredas, dançando mais alguns passos entre as lajes vigorosas da lareira, será que acorda? E numa doce audácia crepitavam em gélidas pontas azuladas que lambiam os dedos soltos de Berenice, buscando o cuidado que tinha em as proteger.
Berenice era guardadora de fogo. Comprometera-se, ainda ladina, em nunca deixar esmorecer o lume sagrado. A verdade é que lhe saltara para o regaço, numa noite fria, uma pequena labareda que lhe acariciara a face e lhe aquecera a alma, numa noite em que procurava apenas um abrigo quente. E, o fogo sussurrara-lhe de mansinho: Berenice, estamos a deixar o mundo, não há quem nos cuide, não há quem nos ame… Berenice acariciara então a pequena labareda e prometera ser uma eterna cuidadora do calor do mundo.
terça-feira, 23 de agosto de 2011
arroubo
Espreguiçou o corpo num arroubo de sensualidade, arrepiando de nervuras a brancura do lençol fazendo com que o olhar preso do seu homem viajasse pela sua pele e em seco engolisse a luxúria do momento.
-Joaquim, seu tonto, disse, não me olhes assim.
Escondeu o olhar, baixando levemente o queixo olhando-o semicerradamente, fazendo beicinho, enrolando uma melena do seu cabelo no indicador. E assim desafiava a idade, sentindo-se de novo princesa, inocente e sedutora.
quarta-feira, 17 de agosto de 2011
entrar em Tânger
terça-feira, 16 de agosto de 2011
revoluções
domingo, 7 de agosto de 2011
Sem roupa
sábado, 23 de julho de 2011
Era um fim de tarde de Setembro...
Era um fim de tarde do mês de Setembro. A aldeia estava imbuída dos cheiros das colheitas. Estava aquele aprazível calor que a leve brisa nos aconchegava ao corpo. Não era ainda a hora do regresso do campo e, pelo casario, apenas circulavam algumas crianças engalfinhadas nas suas brincadeiras.
por baixo daquele ar franzino e quase frágil (a minha avó era pequenina, mesmo muito pequenina) coberto de uma constante cor preta desde a sua viuvez escondia-se uma dureza de pedra que eu julgava chegar-lhe ao coração. As palavras eram parcas, as carícias inexistentes e como não tinha dentes (nem sequer postiços) não sabia se alguma vez sorrira. Acho que adorava fazer tudo o que ela não gostava, brincar com a “canalha” da aldeia e fugir a sete pés quando ao longe, alguém de sobreaviso a via chegar de vergasta na mão a chamar pelo meu nome.
Maria Adelaide, oh Maria Adelaide, gritava, são horas de vires para casa… e a vergasta agitava-se de encontro às ervas… nunca me bateu mas também nunca me achou perdida nas brincadeiras com a canalha da aldeia.
Gostaria de mim? Eu não gostava dela, era a avó “má”, dura e seca que não me encostava ao peito. Não me preocupava muito com o assunto, no fundo ela era a minha brincadeira porque a enganava nas fugas à sua preocupação…Ah, sim eu era muito mais esperta do que ela!
Na aldeia não era amada mas também não era odiada, nem sequer temida. A sua secura repercutia-se nos sentimentos dos outros. Mas era respeitada e dignamente respeitada.
Não sei se recordo alguém com rugas tão fundas como as dela, com a face afogada na cavidade bocal onde os lábios finos se escondiam sobre um queixo avançado e um nariz adunco que fazia lembrar a bruxa da história de João e Maria.
A minha avó tinha casado aos dezasseis anos, com o meu avô, bastante mais velho e já viúvo e ao que contavam (porque não o conheci) muito bonacheirão e boa pinta. Teve a minha avó 12 filhos, 10 rapazes e 2 raparigas. Destes faleceram 6, 5 em criança entre os quais as duas meninas, situação que a levava a culpar a enteada do facto, e um já adulto. Esta coisa de ela ter sido mãe era para mim tão distante que nunca senti vontade em perceber bem o que ela poderia ter sentido (eu achava que não teria sido nada até porque estes tios e tias bebés eram quase o mesmo que bonecos na minha imaginação).
A casa tinha sido pobre e a luta pelo sustento foi dura e a minha avó nunca foi menina. O tempo para o pão consumia todo o seu amor e era por aí que com certeza ela amava.
A minha avó não comia peixe porque estes comiam os afogados, nem caranguejos nem camarão, só abria excepção para o bacalhau, porque era diferente, dizia ela. Nunca acreditou que o homem tivesse pousado na lua, porque se assim fosse tinha que se ver (e aqui já ela era bem velhinha). Mas acreditava na Ressurreição e em Jesus Cristo.
Aprendi com ela que as filhoses da beira se devem fritar ao lume, na lareira, numa frigideira de ferro e ajeitadas com um pau de vime bem descascado. Eram deliciosas e ela passava um dia inteiro a fritá-las, de manhã à noite e depois duravam do Natal ao Ano Novo. Aprendi com ela a enfeitar as campas dos entes queridos com flores campestres e umas bagas brancas de que não sei o nome.
Era um fim de tarde do mês de Setembro. A aldeia estava imbuída dos cheiros das colheitas. Estava aquele aprazível calor que a leve brisa nos aconchegava ao corpo. Não era ainda a hora do regresso do campo e, pelo casario, apenas circulavam algumas crianças engalfinhadas nas suas brincadeiras.
Atrás da minha avó seguíamos, talvez 3 a 4 endiabrados cachopos, que estavam endemoniados para tirar prazer de quem já não ouvia nem via bem.
A minha avó seguia, corcovada, na beira da estrada, numa tarde de Setembro, para ir até à leira de terra onde algumas árvores de frutos ainda precisavam de guardiã. Eis quando, pára, e encostando a mão ao muro fronteiro do caminho abre as pernas…
Agitados, os endemoniados cachopos (entre os quais eu), estacam, semi - escondidos, sem saber bem o que esperar….
Era um fim de tarde de Setembro, e o Sol começou a reflectir brilhos por entre as gotas de água, que abundantemente regavam o caminho sob as pernas da minha avó.
A minha avó não usava cuecas!
Que ousadia, que ultraje! E acompanhei o riso desproporcionado dos amigos de brincadeiras. Nunca contei aos meus pais, nem pedi para me explicarem. Era uma vergonha estranha e uma sensação de liberdade imensa.
E …passei a adorar a minha avó, ainda que nunca tenha tido a coragem, nem a oportunidade de docemente a abraçar.
quinta-feira, 21 de julho de 2011
desejo
de meu pai
milai, milai,
terça-feira, 19 de julho de 2011
O quarto dos sapatos e a engraxadora
sábado, 16 de julho de 2011
Libério no vale de Orbs
recortada no horizonte, surgia uma sombra silenciosa, compacta e negra, com um suave perfil ovalado, que rasgava a harmónica linha de montanha inundada de brilho lunar. Libério procurava o rumo para a jornada que tinha iniciado para encontrar Alicia.
terça-feira, 12 de julho de 2011
O assalto às Rennie
sexta-feira, 8 de julho de 2011
a mosca e a aranha
terça-feira, 5 de julho de 2011
a alcova
sábado, 2 de julho de 2011
o pé, no sapato...
segunda-feira, 27 de junho de 2011
O bom ladrão
Olá, disse Celina.
Olá, disse ele, abrindo um meio sorriso.
Celina sentou-se no beiral da janela, com grade, invadiu de perguntas o interior da cela, rodeando o cheiro metálico acre e moribundo do ferro e passou a amiga-cliente das histórias do senhor da cadeia.
O preso, sem nome, dava vida à cadeia. Não era hábito ter presos, era até raro manter prisioneiros, mas quando tinha era um acontecimento, social. A janela virada para o largo possuía um robusto gradeamento em ferro que não exercia qualquer atracção, excepto quando tinha um prisioneiro. Era o tempo em que as grossas portadas de madeira se abriam e permitiam mergulhar no mistério, para lá da grade.
Os grandes pareciam desconhecer que ali estava o prisioneiro. A janela gradeada ficava-lhes pelas pernas, e mesmo sabendo da existência de gente, lá dentro, era como se a cadeia não existisse. Os grandes pelos vistos, não queriam desvendar mistérios.
As histórias eram comuns, o senhor preso tinha filhos, até da sua idade, de quem tinha saudades e que desconheciam estes problemas. Tinha sido tentado para roubar santos das igrejas e capelas e estava arrependido.
Celina achava estranha aquela vida de tirar santinhos, que só serviam para se rezar, por isso nem percebia bem porque o senhor preso não podia sair. E Celina queria entrar, ver para lá da escuridão que cá de fora vislumbrava, saber como se dormia, sem janela de vidro e sem cama e com o permanente cheiro de uma humidade seca e ferrosa que Celina levava nas mãos e na roupa quando se despedia.
Ficava mal a Celina conversar com o priosineiro, e o pai disse-lhe: “Celina, não quero que mais ninguém me venha dizer que estiveste a falar com o preso. Não fica bem, minha filha, ele fez uma coisa feia, é um ladrão, e está a ser julgado no tribunal”.
Ficou confusa porque o pai era o juiz do tribunal e era bom, mas o senhor preso tirava santos, que só serviam para rezar, devia ser bom também por querer rezar tanto…mas o pai dizia que ele era um ladrão!
Deixou os bocadinhos de conversa e apenas trazia emprestados os romances da Crónica Feminina, que o senhor preso coleccionava, impregnados do cheiro misterioso da cela.
Um dia, as portadas de madeira estavam fechadas, o senhor preso desaparecera. O pai disse-lhe que tinha sido condenado e estava agora numa grande prisão.
Celina ainda achava estranha aquela visão do seu amigo ladrão, porque se ele roubava Santos, era porque gostava de Santos, e era bom gostar de Santos, mas se o pai dizia e parecia que as pessoas estavam contentes…
O pai levou-a à cadeia, para desvendar o mistério. O Sr. Guarda, já velhote e bonacheirão, pegou numa grande chave em ferro e deu a volta na fechadura. A porta de madeira grossa, abriu-se sobre um pequeno número de escadas, que desceram, e logo o cheiro húmido seco e ferroso se colou nas narinas, um cheiro de cela fria e escura. Uma luminosidade acinzentada deixou perceber melhor o interior, a tarimba num canto, um pequeno lavatório no outro e uma mesa e uma cadeira, mais próximas da janela gradeada, que mal se viam lá de fora. E ninguém, sem cheiro de gente.